Aquela não era sua casa,
não era a casa onde queria morar.
Por isto, pintou sua fachada à cor de folhas outonais,
trocou portas de lugar, aplanou pisos,
abriu uma janela para o quintal.
Na saída da cozinha para os fundos
havia o terreiro de terra batida;
construiu uma varanda,
nela dependurando samambaias, avencas,
uma rede larga, aconchegante.
À frente existia o espaço
onde espalhou margaridas brancas.
Mandou retirar a caixa postal
já que não mais receberia correspondências.
Quebrou a lâmpada do poste em frente
para que não lhe turvasse a visão das estrelas.
O quintal, deixou como estava:
arbustos onde pássaros construíram ninhos,
mato rasteiro a crescer desordenadamente,
tanque d’água cheio de musgo,
mangueiras tomadas pelas ervas de passarinho,
velha cerca de bambu destrambelhada.
Por fim, o quarto onde dormiria:
larga cama de madeira escura,
terço dependurado na cabeceira
(teria que reaprender a rezar),
missal, a imagem de Nossa Senhora
a velar pelo seu sono de descrente.
Preparado sentia-se então
para os tempos vindouros,
que mais nada lhe trariam de novo
além das lembranças que tentaria reter
nos instáveis repositórios da memória.
Comentários
Um convite à mudança que precisa ser feita, que urge, que desafia, mas que fica esquecida para sempre no fundo das águas das mágoas que correm neste raso mundo.