Desconfio que em alguma madrugada
Em meio à neblina
Ela surgiu
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Talhada por um Aleijadinho
Advindo de traz-as-serras
Que em seu lapidar
Desvela a alma das brutas coisas
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Logo ao amanhecer
Em meu quintal
Não uma rosa
Ou margarida
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Uma flor de arquitetura angulosa
Talhada com delicadeza
Uma flor barroca
Em inusitada assimetria
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Em meio a ervas daninhas
Intrépida, à luz outonal
A flor a cinzel forjada
Em tortuosos relevos
E torturados entalhes
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Cuidei eu, todos os dias
De ciosamente aguá-la
Mesmo não a vendo vicejar
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Até que ouvi alguém sussurrar
Em maldoso comentário
– Enlouqueceu, está a regar
– imagina! – pedra como se planta fora
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Como assim? Louco?
Como podem assim me julgar
Não sentiram a essência
Que daquelas pétalas exalava?
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Alguns dias passei acabrunhado
Ensimesmado, pelos cantos
Sem ao quintal retornar
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Mas hoje, logo cedo, resolvi
Fui terreno abaixo decidido
A reiniciar os cuidados
Que não deveria ter suspenso
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Qual não foi a surpresa
Pelo que ali deparei
Poeira cinzenta apenas
Onde antes a magia da flor
Em meus dias rescendia!
Comentários
Será a flor de urucum de que falavam as musas? Nesta pequena crônica creio a ter reencontrado. Por mais essa colher de chá, agradeço.