Perambulando pela noite
o mendigo achou um livro de poesias
em meio ao lixo.
Procurou marquise sob a qual repousar;
sem sono, pôs-se a lê-lo.
Descobriu ali um mundo estranho
de que nunca tivera notícia:
crianças brincando no jardim,
pomares cheios de frutos,
namorados jurando amor eterno,
constelações, viagens a mares do oriente,
parques ensolarados com límpidos riachos.
Seu cachorro dormitava ao lado;
de vez em quando acordava, abanava o rabo,
lançava-lhe olhares interrogativos.
Às vezes pegava-se a sorrir:
beijos de amantes apaixonados,
desvios de caminhos em meio ao bosque,
premência de desejos, paixões, entregas sem limites.
Chegava a madrugada no centro da cidade,
luzes começavam a refletir-se nos vidros dos edifícios
que se elevavam fantasmagóricos contra o céu;
poças d’água no asfalto, lotações passando,
um bêbado apoiado ao poste em monólogo ininteligível.
Só então conseguiu dormir, o livro caído sobre o peito.
Sonhou: pipa bailando sobre avenida,
bamboleante, colorida, solta de qualquer linha,
ele correndo em seu encalço entre carros
tendo atrás o vira-lata a latir.
Corria, corria desesperadamente,
mas a pipa levada pelo vento
não dava sinais de baixar
e fugia exibindo-se contra o céu de anil.
Por mais que se esfalfasse, estava sempre à distância.
Mas não desanimava, reunia forças
tentando dar impulso ao frágil corpo,
mesmo trazendo no íntimo a certeza
de que ela cairia em lugar fora de alcance.
Para chegar dócil às mãos de garoto sortudo
ou às de mocinha saltitante –
ou de um outro privilegiado qualquer –
uma vez que, mesmo em sonho,
sabia quase impossível realizar seus desejos.
Comentários
É a arte, no caso a poesia, servindo de lenitivo. Ganha a personagem, ganhamos nós leitores.
Ah! Que linda poesia ,SONHO…..SONHADA. Parabéns!
No lixo, onde não deveria estar o livro de poesia, o mendigo, que também não deveria estar nesta condição, encontra uma faísca de amor e sonha… Belíssima publicação! Parabéns!
Espero pelo seu livro também!
Caro Angeloliv,
Vou lançar meu livro em Guarani, no próximo dia 31/12. Vou recitar esse poema lá, farei uma palestra sobre poesia e a arte de escrever, antes do lançamento.
Depois conto.
Você é grande. Só estou esperando pelo seu livro, que nunca sai.
Mãos á obra, cara.
Bravo, AA. Sonhos foram feitos para serem perseguidos.Custa muito, mas a vida só é plena quando a alma não se apequena. Assim foi, assim será.