A stripper trabalha na boate.
Anjo Azul de subúrbio,
repete o ritual sobre o tablado
garantindo a sobrevivência de cada dia.
Chega ao palco vestida dos pés à cabeça –
que nem senhora da sociedade –
incluindo lenço sobre o rosto;
depois em voluptuosa dança
aos poucos desvela o corpo.
Homens chegam de toda parte,
disputam lugar à frente,
estendem os braços na intenção do toque,
hipnotizados pelas curvas ondulantes.
Ao som da pianola dedilhada com sentimento
tira uma peça, tira outra,
vai lentamente despojando-se de seu invólucro
enquanto nos olhos dos machos embriagados
vicejam brilhos de desejos incoercíveis.
Uns aplaudem a cada peça descartada,
outros assoviam e há os mais entusiasmados
que lhe jogam notas aos pés,
todos à espera do descortino final:
calcinha descendo pelas longas pernas,
a revelação do recesso entre as morenas coxas.
Ao final do show ela sorri e agradece,
inclina-se e manda um beijo para a plateia.
Então, nua como Eva a fugir do paraíso,
desliza para os bastidores.
Lá, volta a vestir seus trajes habituais,
coloca o dinheiro recolhido na bolsa,
dá um retoque no cabelo e foge para a rua.
Hora de pegar um taxi, voltar para casa
(duas crianças a dormir aguardam seus afagos, beijos,
o dia seguinte de inocentes brincadeiras).
Vai depois para o quarto
onde à meia luz torna a se desvestir ante o espelho
que reflete o corpo jovem, esbelto,
longos cabelos e olhos sagazes de operária do prazer.
Enquanto isto, na cama ao lado,
ressona exausto, após um dia de trabalho,
o companheiro vencido pela rotina extenuante.
Comentários
Angelo,
Concordo com Verly “temos que agradece-lo por nos proporcionar tão sábias reflexões”. Enxergar o que há por trás das cenas que presenciamos, despertar o sentimento profundo sobre a condição humana, emocionar… esse é o objetivo do poeta. Obrigada.
Como eu admiro suas poesias, todos os seus escritos são poéticos! Você consegue transformar todos os assuntos em motivos para o sentimento humano. Sentimento profundo. Temos de agradecê-lo por nos proporcionar tão sábias reflexões.