Leva-me ao outro lado do rio
amigo barqueiro
afasta-me das sombras
que infestam a margem de cá.
Não suporto mais tantos gemidos
tantos escorados à própria desgraça
a fome, as mãos se abrindo em chagas
os miasmas das febres terçãs
a luta diária sem esperança de vitória
ou de que o sofrimento tenha fim.
Vê como à noite
ruge nas vertentes o vento
que rola pelas encostas
até esbater-se contra nossas costas lenhadas.
Vê como capatazes desnaturados
desconhecem nossa condição humana
nos escorraçam, nos olham com desprezo
nos conduzem ao desespero.
Sei que ao atravessar o rio
teremos que sobrepassar correntezas
redemoinhos terríveis a nos tragar para o fundo
ainda o risco de que sejamos atingidos
pelos inúmeros tiros dos feitores.
Mas daqui à distancia
logo depois do amanhecer
sou atraído pelas paisagens que entrevejo
na outra beira do rio
onde primeiro chegam os raios do sol.
Vejo lá crianças a correr na praia
há jogos, brincadeiras
mães cuidadosas
e quando permite a brisa
chegam-me aos ouvidos retalhos de canções.
Portanto, mãos aos remos
transporta-me definitivamente
para onde a vida viceja
para que possa me salvar
da irremediável perdição
a que estamos fadados nesta margem do rio.
Comentários
Linda! Boa para o momento…
Antonio ÄNGELO!
Poesia comovente, e cai bem nas profundezas do ser.
Maria