Teologia da prosperidade, o Evangelho distorcido

Publicado por Antonio Carlos Santini 7 de janeiro de 2019

Teologia da prosperidade, o Evangelho distorcido

No centro, o bem-estar. O Criador? Nosso empregado…
O jornal italiano “Avvenire”, 19/07/2018, antecipou um resumo do longo artigo sobre o assunto, mais tarde publicado na prestigiosa revista “La Civiltà Cattolica”, assinado por Antonio Spadaro, S.J., e Marcelo Figueroa. “Teologia da prosperidade” é o nome que se dá a uma corrente evangélica neopentecostal. Seu núcleo é a convicção de que Deus deseja para todos nós uma vida próspera, economicamente rica, com plena saúde e felicidade do ponto de vista humano.
É uma versão do cristianismo que tem seu foco no bem-estar do crente, reservando para Deus a função de realizar nossos desejos e projetos materiais. Obviamente, o Criador é transformado em uma espécie de “gênio da lâmpada”, sempre pronto a atender a nossos caprichos. Deus a serviço do homem, a Igreja como um supermercado e a fé como ferramenta utilitarista. No fundo, a mentalidade utilitarista típica da sociedade norte-americana.
Mesmo sem se identificar plenamente com o “sonho americano”, american dream, trata-se de uma redação do mesmo sonho. A terra e a sociedade como um lugar de “oportunidades” – a antiga motivação que atraiu tantos imigrantes para os EUA.

Pensamento positivo
Hoje divulgada por numerosos grupos e ministros evangélicos, em especial neocarismáticos, as origens desta distorção vem do pastor nova-iorquino Esek William Kenion, 1867-1948. Ele sustentava que podemos modificar as realidades materiais concretas com o poder da fé. Seria a falta de fé a raiz da pobreza, da doença e da infelicidade, enquanto o poder da fé traz riqueza, saúde e bem-estar. Muito estranho para um católico, é verdade, que conhece de perto a pobreza de Francisco de Assis, a tuberculose de Teresa de Lisieuxe os sofrimentos do apóstolo Paulo.
A doutrina da teologia da prosperidade está ligada e alimentada pelo “pensamento positivo”, conhecida expressão do estilo de vida americano, american way of life. Tem contatos também com a filosofia de Alexis de Tocqueville, em seu livro “A democracia na América”, 1831, que cobrava uma posição excepcional para os Estados Unidos da América no cenário mundial, afirmando que “nenhum outro povo democrático virá a encontrar-se em semelhante posição”.

Mister Trump assina em baixo…
Nas cédulas de dólar, a inscrição: In God we trust, nós confiamos em Deus. E Donald Trump garante: “Juntos, estamos redescobrindo a maneira América de viver”. Parece animador ouvir de um chefe de estado: “Na América, sabemos que a fé e a família, não o governo e a burocracia, são o centro da vida americana”. Mas, logo em seguida, o mesmo governante manda receber à bala os imigrantes que aspiram ao mesmo sonho…
Em outubro de 2015, a Casa Branca organizou, na Trump Tower, um encontro de pregadores da TV ligados à teologia da prosperidade, os quais rezaram pelo Chefe, impondo-lhe as mãos. São esses pregadores que acentuam a saúde e o bem-estar econômico como o alvo da fé, e o fazem com uma leitura literal de alguns textos bíblicos, dentro de uma hermenêutica reducionista, ao mesmo tempo que ignoram o próprio Jesus e sua lição: “Ai dos ricos! Bem-aventurados os humildes de coração, porque deles é o Reino dos Céus!”
Neste quadro, não há espaço para a compaixão e a solidariedade pelas pessoas que não são prósperas, marcadas pelo estigma da falta de fé. Esta teologia acentua o mérito que decorre da fé, e os pobres, claro, não “merecem” nada… Nada mais contrário ao Evangelho de Jesus Cristo!

Católicos, a Igreja dos pobres
Os teólogos “da prosperidade” afirmam que os EUA cresceram sob a bênção do Deus providente do movimento evangélico. Ao contrário, os habitantes da região que vai do Rio Grande para o Sul mergulharam na pobreza porque a Igreja Católica tem uma visão oposta, “exaltando” a pobreza. Não é difícil notar que esta posição oculta conotações políticas.
Na verdade, a teologia da prosperidade deixa bem claro o seu efeito perverso sobre o povo pobre. Ela estimula ao máximo o individualismo, rebaixa o sentido de solidariedade e impele as pessoas à constante expectativa de milagres, enquanto o compromisso social e político fica esquecido. Se os pobres acolhem seus princípios, acabam indefesos e inócuos diante das injustiças do sistema capitalista. A teologia da prosperidade não sugere alguma ação para a mudança social, mas confirma o próprio sistema, que “põe cada um em seu lugar”.

No outro polo, Francisco…
Desde que subiu à cadeira de Pedro, o Papa Francisco se posicionou vigorosamente no polo oposto à teologia da prosperidade, apoiando-se na sólida doutrina social da Igreja. Já no Brasil, em 28 de julho de 2013, dirigindo-se aos bispos do CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano, Francisco denunciou o “funcionalismo eclesial”, que realiza “uma espécie de teologia da prosperidade no aspecto organizativo da pastoral”. Isto ocorre quando a Igreja assume um caráter “empreendedorista” que nada tem a ver com o mistério da fé.
Novamente aos bispos, na Coreia, em agosto de 2014, o Papa citou Paulo (1Cor 11,17) e Tiago (2,1-7), que reprovavam as Igrejas que viviam de tal modo que ali os pobres não se sentiam em casa. “Esta é uma tentação da prosperidade” – comentou Francisco. Em suas homilias, na casa Santa Marta, ele insiste no mesmo ponto, como quando comenta (Cor 8,9-15): “Conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo: era rico e se fez pobre por vós, para vos tornásseis ricos por meio de sua pobreza”.
Naturalmente, estamos bem longe da profecia positiva e luminosa do “sonho americano” que inspira os teólogos da prosperidade. Se Martin Luther King estivesse vivo, iria apontar para outro “sonho”: uma sociedade de iguais, de partilha e de compromisso pelos mais fracos do sistema. (ACS)

Teologia da prosperidade, o Evangelho distorcido 1

Foto: Avvenire

Comentários
  • Everton 1901 dias atrás

    As igrejas católicas cada vez mais vazias, os “templos” evangélicos cada vez mais cheios. Desde a Idade Média que a Igreja Católica reprime a “usura” do rentista que empresta dinheiro a juros. Para o católico cada um deve se contentar com o pouco que tem permanecendo na pobreza. Já os evangélicos oriundos do protestantismo pregam a prosperidade e o empreendedorismo, “se eu fico rico estou criando riquezas, pagando mais impostos, gerando mais emprego e mais riquezas”.

    • Antônio Carlos 1901 dias atrás

      Disse Jesus: “Meu reino não é deste Mundo”. E mais: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro…”

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