“Se eu me esquecer de ti, Jerusalém…”

Publicado por Antonio Carlos Santini 20 de dezembro de 2017

Se eu me esquecer de ti, Jerusalém...

Foto: La Croix

A recente declaração do agitador Trump raspa de modo implacável em um nervo exposto há séculos: a relação entre palestinos e israelitas. Para os filhos de Abraão, Jerusalém não é apenas uma cidade, é a sua razão de viver. Daí, o suspiro do salmista quando lança uma praga sobre si mesmo:

“Se eu me esquecer de ti, Jerusalém,
Que minha mão direita se paralise!
Que minha língua se cole ao paladar,
Se eu não me lembrar de ti!” (Sl 137,5-6)

Mas os descendentes de Davi sempre alimentaram uma inimizade secular. Desde que os habitantes de Samaria foram exilados para a Assíria e o rei Teglat-Falasar mandou repovoar a região com variados grupos étnicos (cf. 2º Livro dos Reis 17,24ss), os judeus passaram a ver os novos habitantes como um povo “impuro”, que adorava ídolos e tinha uma religião promíscua. Dos samaritanos provêm os palestinos de hoje.

Sobre eles, escreveu Ben Sirac:

“Há dois povos que minha alma abomina,
E o terceiro, que aborreço, nem sequer é um povo:
Aqueles que vivem no Monte Seir, os filisteus,
E o povo insensato que habita em Siquém”. (Eclesiástico 50,27-28)

Este terceiro povo são os palestinos. O ódio entre israelitas e palestinos chegou a tal ponto que, no ano 6 a.C., na véspera da Páscoa, um grupo de palestinos lançou sobre os muros do Templo de Jerusalém a carcaça podre de um cão, tornando o local ritualmente impuro e impedindo que os judeus celebrassem a Páscoa.

No diálogo de Jesus com a Samaritana (cf. Evangelho de João, 4), ainda se percebe o relacionamento impossível. A mulher samaritana cobra de Jesus:

– “Sendo tu um judeu, como pedes de beber a mim, que sou samaritana?” (João 4,9)

E o próprio autor do 4º Evangelho comenta: “Pois os judeus não se dão com os samaritanos”.

* * *

Dizem que o tempo cura tudo. Não foi assim neste caso. Se a inimizade andou adormecida até o início do Séc. XX, o surgimento do movimento sionista liderado por Ben Gurion, um judeu polonês, e o repovoamento de Israel acabaria por agravar a situação. Em novembro de 1947, as Nações Unidas recomendaram a divisão da Palestina em um Estado judeu, um Estado árabe e uma administração direta das Nações Unidas sobre Jerusalém, plano recuado pela Liga Árabe.

Entre 1948 e 1949, a região recebeu cerca de 850 mil imigrantes judeus. Edificado sobre as cinzas do Holocausto, o Estado de Israel passa a viver em clima de guerra com os estados vizinhos, pois grupos nacionalistas árabes inconformados faziam ataques contra os novos colonos, com violentos conflitos em Jerusalém, Hebron, Jafa e Haifa.

Mas foi em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, que foram lançadas em definitivo as sementes da discórdia. Desde então, a política de colonização de Israel vem ocupando progressivamente o território palestino, além de submeter seus habitantes a todo tipo de vexação. Neste quadro, a declaração de Donald Trump, reconhecendo Jerusalém como capital judaica, acende um estopim de efeitos inimagináveis.

* * *

Conforme o jornal francês “La Croix” [7/12/2017], as Igrejas de Jerusalém temem por “prejuízos irreparáveis”. Em carta dirigida ao presidente americano em 6 de dezembro, os patriarcas e bispos das Igrejas de Jerusalém o advertiram contra as consequências potencialmente desastrosas da transferência da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a Cidade Santa.

“A Cidade Santa – dizem eles – pode ser partilhada, uma vez que o processo político libertará os corações dos povos que ali vivem condições de conflito e destruição.” Para os líderes religiosos locais, o gesto de Trump só contribuirá para incrementar o ódio, o conflito, a violência e o sofrimento em Jerusalém e em toda a Terra Santa.

O Natal está próximo. Com a demência de Trump, antes que nasça o Menino, parece que muita gente vai morrer…

Comentários
  • Romeu 2556 dias atrás

    Tenho dúvidas sobre a história; conheço-a pouco. Brigas, mesmo, foram as cruzadas que, pelo que me consta, foram disputas entre cristãos e maometanos. Agora complicou tudo, a partir da declaração de independência pelos sionistas. Todos ficaram envolvidos. Seria bom que se pudessem juntar todos os pacifistas para saber sobre seu poder de convencimento. Talvez não seja possível enquanto estiver o petróleo envolvido. Muito complexo.

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