A História das civilizações reservou um lugar de destaque para o rei Filipe II da Macedônia. No século IV a.C., o famoso pai de Alexandre Magno destacou-se como vitorioso militar. Depois de vencer os atenienses e tebanos na batalha de Queroneia, deu início à hegemonia dos macedônios sobre o mundo grego. Reflexos desse poderio iriam chegar até a Palestina dos Macabeus.
Rei vencedor, engalanado de louros, sorvendo fundo os ventos do sucesso, era inevitável que Filipe da Macedônia fosse cercado por um cortejo de bajuladores. Ali estavam as loas dos cantores e citaredos, os presentes exóticos trazidos por embaixadores de todo o mundo civilizado. Logo surgiram as cidades construídas em sua honra, os monumentos de mármore e bronze, com a pretensão de imortalizar o nome do grande vencedor.
Como reagiu Filipe da Macedônia diante desse clima de bajulação? Num gesto de autodefesa, ele nomeou um escravo – naquele tempo, diferente dos patrícios de hoje, os escravos liam e escreviam, eram preceptores de príncipes e filosofavam nas horas vagas! -, sim, um velho escravo que acompanhava o imperador a toda parte. Quando o termômetro da bajulação atingia um nível perigoso, o velho escravo puxava discretamente a túnica dourada do rei e lhe dizia com voz clara e firme: “Você é um homem. Apenas um homem!”
O que o escravo, sábio e amigo, queria dizer ao rei era isto: “Não deixe a vanglória subir-lhe à cabeça e roer-lhe o coração. Apesar desses aduladores baratos e interesseiros, você não é um deus!”
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Nós não somos deuses! Ah! Como nos faz falta um escravo daquele tipo! Nestes tempos de grandes projetos, ousadas empresas, o orgulho e a empáfia escorrem da boca do homem moderno como baba pegajosa… Afinal, o Empire State parece, hoje, humilde choça diante das torres de titânio, novos zigurates a espetar o azul! Sob as águas frias do Canal da Mancha, um supertúnel liga o continente europeu à ilha de Ricardo Coração de Leão. Os foguetes de Jeff Bezos e Elon Musk varrem o espaço até então proibido aos mortais, enquanto as extensões eletrônicas farejam na cota dos anos-luz as galáxias, os buracos negros e o lado oculto das nebulosas. No laboratório escocês, os novos Merlins brincam com a vida, prometendo o clone de Adão.
Não é motivo de orgulho? Não é razão para novas epopeias? Não é o caso de zombar do Olimpo?
Ou, antes, não seria o tempo de adotar um escravo? Escravo para cientistas. Escravo para economistas. Escravo para governantes…
Alguém bem simples e bem pobre, alguém que nada tenha a perder com o anúncio da verdade sobre o homem, vista-se ele de poder ou de saber. Alguém que diga para o poderoso, olhando bem no fundo de seus olhos e apontando um indicador que não se dobra:
– Você é um homem. Apenas um homem…