Anos 70, em Volta Redonda, o programa dos sábados pela manhã incluía uma visita à feira livre, no Aterrado. Lá esperavam por nós as suculentas laranjas pera rio, o palmito cortado no mato, a fruta-pão do litoral e os caçonetes lustrosos pescados ainda naquela noite.
Invariavelmente, no burburinho dos compradores, entre as bancas dos feirantes, lá estava um velhinho com sua sacola vermelha, a repetir incansavelmente o mesmo bordão:
– Uma esmolinha para os pobres de São Vicente!
Era um membro da Sociedade São Vicente de Paulo, tão desprezada, tão criticada, rotulada de assistencialismo por aqueles que nunca assistem aos pobres, além de ignorar solenemente o espetáculo da miséria.
Bem, é preciso fazer uma correção, de fato, os pobres não pertencem a São Vicente, ainda que o padre Vicente de Paulo os tenha adotado na França do século XVII, e Frederico Ozanam viesse a escolher o nome do santo para a organização que cuidaria dos indigentes do planeta dois séculos depois.
Sim, os pobres não pertencem a São Vicente de Paulo, pertencem ao sistema. É o sistema quem os fabrica cuidadosamente, pois sem eles o mundo capitalista não pode subsistir. A linha de montagem na fabricação do pobre inclui a expropriação da terra, a mão de obra semiescrava, a robotização do trabalho, o aviltamento dos salários, a especulação imobiliária, a usura, enfim, todos estes traços indispensáveis ao mundo capitalista.
O cenário degradante da miséria foi o bendito gatilho para o surgimento de uma legião de santos, os quais se voltaram para o pobre e a ele dedicaram sua existência, um mestre esmoler como José de Calasanz, um amigo dos pivetes como Dom Bosco, as mães dos miseráveis como Madre Teresa e Irmã Dulce, o parceiro dos leprosos como Damião de Veuster, a mártir dos explorados como Irmã Dorothy Stang.
Esses amigos dos pobres conheciam a inquietante frase do Mestre: “Pobres, sempre os tereis…” (Mt 26,11). E Jesus pronunciou estas palavras pois sabia que nós iríamos precisar do pobre. Quem não consegue encontrar Jesus no alto da montanha ou nas missas transformadas em show, sempre poderá encontrá-lo no faminto ou no doente: “Foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40)
Não por acaso, Madre Teresa de Calcutá definia os mendigos e os leprosos como o “doloroso disfarce de Cristo”. Com fome e com sede, analfabeto ou deficiente, no hospital ou no presídio, na favela ou no lixão, lá está o pobre, digo, lá está Jesus Cristo…
Não podemos alegar que Deus fugiu para longe de nós…