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Quando somos gerados, entramos em contato com o mundo dos fenômenos, o mundo da matéria. Ouvindo os batimentos do coração materno, recebemos desse mundo as primeiras impressões. Trata-se de um mundo acessível aos sentidos: sentimos o gosto do leite, ouvimos o canto das aves, vemos os brinquedos coloridos sobre o berço. Quando crescemos, começamos a medir e pesar, usamos metro e balança. Não satisfeitos, apelamos ao microscópio e aos telescópios. Centímetros e mícrons, quilômetros e anos-luz, nós somos exploradores do mundo da matéria rumo às nanopartículas e às nebulosas…
Mas este não é o primeiro mundo. É o segundo! Antes dele – isto é, antes da criação do Cosmo – já existia outro mundo, o primeiro. Trata-se do mundo divino, anterior e eterno. Neste primeiro mundo as três Pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo – convivem uma relação de amor sem início nem fim.
Mas este primeiro mundo não está ao nosso alcance. Deus “habita em luz inacessível” (1Tm 6,16), que nossos limites humanos não podem franquear. Não existe nada em comum entre o mundo de Deus e o mundo criado. Ver Deus é morrer (Ex 33,20). Claro, a contemplação das criaturas, a reflexão sobre a necessidade de uma Inteligência criadora permitiu à intuição dos antigos uns fiapos de luz sobre a Divindade, mas os resultados quase sempre foram negativos, como as ossadas de jovens sacrificados a Xipe-Totec nas pirâmides escalonadas da América Central…
Daí a necessidade de um Terceiro Mundo. Graças a este, não estamos separados de modo irreversível do “mundo” de Deus: falo do “mundo de Jesus Cristo”. Quando o Filho de Deus “desce” da Trindade e nasce de Mulher, o invisível se faz visível. Nele, Jesus Cristo, está aquele “que ouvimos, que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam” (1Jo 1,1).
Estamos diante da Revelação. O transcendente se faz imanente. Deus se manifesta no mundo através de seu Filho. Este é o mundo simplesmente ignorado pelo racionalista que crê apenas em seu microscópio e se ajoelha perante o telescópio, mas não sonda o próprio coração. E insiste em ignorar que uma ponte foi estendida entre o mundo de Deus e o mundo do tempo-espaço.
Assim comenta René Voillaume: “Trata-se verdadeiramente de um terceiro mundo, porque já não é o mundo do Deus invisível, mas de seu Verbo encarnado, o mundo de Cristo com tudo aquilo que com ele se relaciona em dependência de causalidade ou finalidade: a Virgem Maria, a Igreja e os sacramentos, o universo sobrenatural da graça cristã. Este mundo é o mundo da Revelação, a única capaz de nos fazer atingi-lo em todas as suas dimensões e de nos fazer ‘compreender, com todos os cristãos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer enfim o amor de Cristo, que desafia todo conhecimento’ (Ef 3,18-19)”.
Nosso Natal não teria sentido sem esta compreensão da encarnação do Verbo. “A Natividade, portanto, é uma importante ocasião em nossa história pessoal. Por seu intermédio, Deus nos desperta para a vida divina em nós. Não somos apenas seres humanos, somos divinamente humanos. Os anjos, por suas palavras e ações, deixaram claro aos pastores o significado do menino recém-nascido. A liturgia procura fazer o mesmo por meio da palavra e dos sacramentos. Agora Deus se mudou em um de nós e está respirando o nosso ar. Em Jesus, pulsa o coração de Deus, seus olhos veem, seus ouvidos ouvem. Por meio de sua humanidade, todo o universo material se tornou divino. Ao se transformar em ser humano, ele está no centro de toda a criação e em cada parte dela.” (Thomas Keating)
Quem leu o Antigo Testamento teve conhecimento da “escada de Jacó” (cf. Gn 31,12), com anjos subindo e descendo, excelente imagem da missão de Jesus Cristo em sua encarnação: ligar de novo este segundo mundo ao primeiro: estender uma ponte entre o Cosmo e seu Criador.
E Jesus Cristo é esta ponte. “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim…” (Jo 14,6)