O editor-geral raspou a garganta e começou:
– Senhores…
Os grupinhos se desfizeram e o editor-geral virou-se para mim:
– Bem, Sr. Santini… Confesso que estou um tanto constrangido… É que este Conselho Editorial acabou de examinar seus originais para o próximo livro…
– Pois sim.
– Na verdade, ninguém entendeu nada do que o senhor escreveu.
– Então, não vão publicar?
– Não! Absolutamente! Seu livro será o best-seller do próximo verão. Não é. Werneck?
O Diretor de Marketing abriu um largo sorriso e confirmou:
– Claro! A tiragem inicial será de 100.000 exemplares. E já temos contratos para tradução em Könnigsberg e Tombuctu!
Confuso com tantos desencontros, precisei perguntar:
– Mas… Vocês vão publicar meu livro mesmo sem ter entendido nada do que escrevi?!
– Exatamente! Ninguém compra um livro por entender o seu conteúdo. Aliás, só depois de comprar a obra é que o leitor vai descobrir se tem, ou não, capacidade de compreender a mensagem.
– E se não me entenderem?
– Bem, o leitor tem várias alternativas. Pode admirar o hermetismo expressional do autor. Pode desconfiar de que está diante de uma nova linguagem, um novo “Finnegans Wake”, um “Grande Sertão: Veredas”… Ou, em desespero de causa, pode admitir sua própria burrice…
– E aí?
– Se a obra é tão hermética, tão cheia de arcanos literários, simbologias ocultas, tão logo será objeto de várias teses de mestrado.
– E aí?
– Ora, Sr. Santini, não percebe? Esse será o momento da segunda edição. Vamos acrescentar mais uns dois ou três prefácios e um longo epílogo, contendo os comentários da crítica especializada.
Meio assustado com toda essa perspectiva, atrevi-me a perguntar:
– E o que será que a crítica especializada vai dizer?
– Veja bem: como não entenderam nada, hão de ficar com medo de falar mal. Farão longas incursões pelo universo semiológico, recorrerão às estruturas paradigmáticas, ao fundo mitológico do “Homo Tropicalis”. Até já encomendamos ao Coutinho uma primeira crítica, a ser publicada no dia do lançamento, em rede nacional.
– E o que ele dirá sobre o meu livro?
– Ainda não sabemos, porque ele também não leu os originais. Mas já combinamos o título.
– Qual?
– “Heidegger e o Porco-Espinho”. Gosta?
– Bem, eu sei alguma coisa sobre Heidegger… Mas e o porco-espinho?
– Ora, Sr. Santini, fica sendo o senhor…
– Eu?! Um porco-espinho?!
– Sim! Um animal meio raro, desconhecido da massa, ausente dos grandes Zoos e, acima de tudo… incômodo!
– Incômodo, eu?!
– Natural: o senhor escreve um livro que ninguém entende e não quer reconhecer que nos incomoda?
– Mas, se é assim, por que vão publicar?
– Ora, porque todo mundo vai querer ler uma obra impossível de ser entendida. Todos darão palpites. Vai ser um indicador de sublimidade intelectual comentar baixinho nas rodas acadêmicas: “Acho que não entendi muito bem as conotações do porco-espinho e suas analogias com o sadomasoquismo”…
– Perdão, mas preciso perguntar: vocês estão falando sério?
O Diretor de Vendas pôs-se de pé e quase me fulminou com seus olhos azul-petróleo:
– Sr. Santini, devo lembrá-lo de que já investimos meio milhão de reais nesta campanha e toda a Europa está-se coçando de curiosidade (sem alusão ao porco-espinho) para saber do novo cult que vem da terra das bananas. E que temos um contrato de exclusividade assinado há dez anos, desde que o senhor escreveu as “Histórias da Vovó Xandoca”.
– Mas aquele era um livro infantil. As crianças liam e entendiam…
– Exatamente! E só vendeu mil exemplares! Ainda bem que o senhor evoluiu e, agora, consegue escrever alguma coisa de gente grande. Algo que ninguém pode entender. E que dará a independência financeira a nossa Editora. Proponho um brinde ao próximo sucesso!