O inútil latim

Publicado por Antonio Carlos Santini 15 de março de 2012

– Ave, Caesar, morituri…

– Corta essa, ô cara! cinquenta anos depois do seminário, você ainda insiste em falar latim? Esse latim inútil…

– Data venia, bem que me tem ajudado…

– Nada disso! Só interessa aos padres, advogados et caterva…

– Deixa pra lá, César! Quais são as novidades? Nihil novi?

– Dizem que a Presidente vai governar manu militari…

– Lato sensu?

– Não! Vai fazer esse povo safado cumprir as leis in totum!

– Se é lei, cumpra-se! Dura lex sed lex!

– Governo devia preocupar-se com outras coisas: verbi gratia, a questão da renda per capita…

– Por falar em renda, como vai o seu pro labore?

– Vai a zero. Desde que me nomearam secretário ad hoc, parece que trabalho ad honorem!

– É pena! E seu irmão, o Goncinha?

– Inter pocula! Vai acabar com delirium-tremens… Outro dia foi preso numa briga…

– E não conseguiu habeas-corpus?

– Foi multado, mas obteve sursis. Mas continua bebendo. Esse só para in articulo mortis!

– Pois eu não quero nada com álcool…

– E eu idem!

– E que é que você acha do novo Congresso?

– Igual ao velho: só legisla pro domo sua!

– Proh pudor!

– Mudando de assunto, que pacote é esse aí?

– Nada importante, uma agenda e um vade-mécum…

– Livros! Estou fugindo deles!

– Pois acabo de ampliar minha biblioteca. Até encomendei um ex-libris na Gráfica Lumen Christi…

– Que luxo! Depois, mande-me um fac-símile.

– E sua esposa, como vai?

– Aquela mulher é uma santa…

– Santa? Ipsis verbis?

– Ipsis litteris: vive rezando e voando…

– É… para aguentar marido, só com muita oração…

– Mutatis mutandis, marido também precisa rezar.

– Ipso facto!

– Dor nas costas, enxaqueca, sogra, queda de cabelo…

– Et coetera…

– Principalmente o etc.!

– Como sofrem as esposas!

– Sabe, na hora do casamento? Pensa que aquele juramento é só pro forma?

– …

– E que, depois de casado, você pode viver ad libitum?

– …

– Casamento é fogo!

– Vade retro!

– Muito bem, César, vamos indo. Logo mais tem Mineirão… Você vai ver o Atlético?

– Pretendo ir, ad referendum da patroa…

– Espero encontrá-lo in situ.

– No portão de sempre. Se não aparecer, é que fiquei detido intra muros!

– E que tal um álibi? Posso telefonar, chamando você para algum velório…

– Não dá certo: a Abignalda adora velório. Por enquanto, fica tudo sub judice…

– E o latim? Velharia inútil?

– In saecula saeculorum…

– Amen!

Comentários
  • Vinicius Ávila 473 dias atrás

    Boa noite, Professora!
    Creio que o latim esteja muito presente em nosso dia-a-dia, às vezes de forma ostensiva, e outras mais sutis.
    A utilização das expressões como “dura lex, sed lex” , “Habemus Papa” ou “habeas corpus” remetem de imediato à língua do Lácio. Por outro lado, outros termos como “Domus” e “Excelsius” tbm tem igual origem, mas não possuem uma percepção imediata de onde vieram.
    Venho da área jurídica e os termos são muito comuns nos livros dos autores mais clássicos, embora não sejam muito utilizados na escrita do Judiciário.
    Atrai-me o latim em razão de poder ter, acho, a essência as palavras em seu nascedouro, e assim poder ter inclusvie uma nova possibilidade do discurso.

  • RAQUEL SCHNOELLER DE TOLEDO 2106 dias atrás

    No texto sugerido foi possível observar o quanto uma série de termos em latim está presente na comunicação diária. O autor, de certa forma, explora o humor por meio de uma narrativa que se desenvolve em um contexto cotidiano e, então, apresenta os termos e expressões latinos; temos desde palavras mais populares como: “Lato sensu”, “vade retro”, “Et coetera/etc”; como, também, palavras que são mais comuns no universo jurídico e que com o atual contexto sócio-político do país têm estado em uso: “leis in totum”, “habeas-corpus”.

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