Lair era um homem humilde. Engenheiro, presbiteriano, dava ensino bíblico no grupo de oração dos católicos. Era admirável a forma como ele contornava as diferenças doutrinárias e se mantinha sempre seguro nos pontos comuns às duas denominações. Esta era a sua forma de respeitar a Igreja Católica, à qual pertencia sua esposa, com quem tinha cinco filhos.
Uma noite, a pregação seria centrada no livro dos Atos dos Apóstolos, capítulo 13, que registra o início da expansão da Boa Nova entre os gentios, isto é, os não judeus. Como sempre fazia, Lair distribuía tarefas entre os participantes, de modo a não concentrar tudo em suas mãos. Uma senhora foi encarregada de ler a passagem que ele iria comentar.
O texto começa com a frase: “Na Igreja que estava em Antioquia, havia profetas e mestres…” Só que a leitora se enganou e pronunciou Antióquia, acentuando o “Ó”. Olhei para um companheiro de banco e ficamos esperando que Lair, depois, fizesse a correção.
Finda a leitura, Lair tomou o microfone e começou a ensinar. Na primeira vez que precisou citar a cidade portuária da Síria, Lair evitou dizer o seu nome, referindo-se a “aquela cidade”. Assim, evitava usar a pronúncia correta – Antioquia – e expor o erro cometido pela leitora. Minutos depois, ele volta a se referir à “mesma cidade”, sem dizer o nome dela.
Seguindo a preleção, chega o momento em que Lair não tem mais como evitar o nome de Antioquia. Então, alto e bom som, ele nomeia a cidade de… Antióquia! Isto é, Lair comete o erro intencionalmente, julgando que era melhor cometer uma falha do que expor a falha de uma irmã.
Meu companheiro e eu nos entreolhamos, baixamos a cabeça e nos envergonhamos por não ter a mesma humildade…
* * *
Esta cena, aparentemente simples, acaba por denunciar as raízes de nosso orgulho. Orgulhosos por saber a verdade, orgulhosos porque não erramos como “essa gentinha”, orgulhosos de nossos títulos e diplomas, orgulhosos do renome de nossa família, orgulhosos da história de nossa Igreja. Enfim, pura e simplesmente, orgulhosos…
Entregues ao orgulho, nós nos sentimos melhores, superiores, mais dignos de respeito que… o resto. Assim, nos isolamos, nos contrapomos, erguemos barricadas, formamos exércitos, erigimos tribunais. O mundo fica dividido entre nosso lado e o outro lado.
Será necessário errar tanto para defender nossas verdades? Antióquia ou Antioquia, será tão importante definir o certo e o errado? Lair já nos deu a resposta: o amor deve ocupar o primeiro lugar…