Foi Viktor E. Frankl quem me deu a melhor definição do homem. Em um de seus textos, o neurologista e psiquiatra vienense propõe trocar o rótulo humano de “homo sapiens” [o homem que sabe] pelo título de “homo patiens” [o homem que sofre]. Se René Descartes tivesse lido Frankl, teria aprimorado seu conhecido princípio: “Sofro, logo existo”.
De fato, viver dói. Dói para nascer, por isso chora o recém-nascido. Dói para crescer, com as conhecidas dores na “canela” em fase de crescimento. Dói para seguir adiante, entre suores e trabalhos, febres e enfermidades, separações e traições, perdas e adeuses. E, como se não bastasse tudo isso, dói para morrer, apesar dos avanços paliativos da medicina atual.
Claro, tentamos escamotear esta evidência. Exemplo clássico ocorre em minhas palestras a grupos católicos, quando pergunto: “Vocês conhecem Santa Teresinha do Menino Jesus… Que é que ela traz nas mãos?” E ouço a invariável resposta: “Rosas… Flores…” Ora, como é que ninguém diz: “Uma cruz”? E trata-se de uma cruz grande, bem visível. Mas algo em nós prefere não ver a cruz…
Além da pequena Teresa, muitos santos aparecem com a cruz em sua imagem clássica: João da Cruz, Teresa de Ávila, Gemma Galgani, Geraldo Magela, José de Anchieta e tantos outros. Apesar disso, recorremos à intercessão dos santos para que nos livrem da cruz. Não parece lógico…
Aliás, como entender um cristianismo sem cruz, se foi essa árvore santa, a árvore da vida, o instrumento de nossa salvação? Como seguir a Cristo sem a cruz do Calvário? Uma sociedade hedonista simplesmente faz ouvidos moucos à pregação de Paulo: “Entre vós, não julguei conhecer coisa alguma a não ser Jesus Cristo, e este crucificado”. (1Cor 2,2.)
Sim, não dá para entender a escolha feita pelo Salvador, como também não entendemos com clareza meridiana a presença da cruz em nossa vida, como se os bons e os justos (como o próprio Jesus) não merecessem sofrer. Estamos diante de um mistério insondável…
Assim reflete o Bispo do Saara argelino, Dom Claude Rault: “O sofrimento é um dos maiores mistérios da vida. E também é misterioso pensar que o próprio Deus quis entrar nele. Antes que explicá-lo, é preciso consentir em entrar nele, como se ele fosse um misterioso e inexplicável componente da vida.”
E a judia Etty Hillesum acrescenta: “Eu me sinto como um campo de batalha onde se esvaziam as discussões, as perguntas colocadas por nossa época. Tudo o que se pode fazer é permanecer humildemente disponível para que a época faça de você um campo de batalha. Estas perguntas devem encontrar um campo fechado onde se defrontar com elas, um lugar onde se pacificar, e nós, pobres homens, devemos abrir-lhes nosso espaço interior e não fugir delas.”
Faz tempo que desisti de entender minha cruz. Limito-me a abraçá-la…