Entre os romanos, que dominavam a Palestina no tempo em que ocorreu o primeiro Natal, cultuava-se o deus Mercúrio, associado a Hermes, divindade grega. Mercúrio era o deus da compra e venda, do lucro e do comércio. Seu nome tem a raiz da palavra latina merx [mercadoria], de onde vieram mercador, comércio e… marketing!
Se um patrício romano visitasse nosso Natal, haveria de crer que seu deus estava em plena atividade, ocupando o espaço antes consagrado ao Menino de Belém, mais conhecido como Jesus de Nazaré.
Os estudiosos da sociedade humana – entre eles Solange Bied-Charreton – há tempos vêm registrando a perda do sagrado na civilização ocidental: mosteiros transformados em hotel, templos adaptados para casas noturnas, igrejas mudadas em centros de cultura. É exatamente o caso do Natal, ou melhor, da Natividade de nosso Senhor Jesus Cristo.
Na tentativa desesperada de ocupar o vazio deixado pelo sagrado que se foi, quilômetros de guirlandas e bolas coloridas são estendidos nas ruas e avenidas para marcar o Natal dos pagãos. Ao lado de alguns abraços e mensagens de ternura, encontros de família e gestos de solidariedade, impera por toda parte o comércio mais furioso e devorador.
Natal é a hora de vender! Na Internet, o site “Planetoscope” informa dados impressionantes sobre a escalada do consumo na época do Natal. No mês de dezembro, na França, são devorados 41 perus por minuto, o que dá a espantosa cota de 2,47 milhões de perus na mesa natalina. A cada segundo, na França, são consumidos 10 kg de escargots, cerca de 15.000 toneladas do gastrópode por ano, no valor de 100 milhões de euros, e de modo especial nas comemorações de Natal.
Prato indispensável no Natal do Canadá e da França, mas também na Bélgica, Líbano e Vietnã, é a “bûche de Noel”, uma espécie de rocambole em forma de acha de lenha, que é “acesa” com uma vela no alto. Somente na França, o mercado das “bûches” representa mais de 10 milhões de litros. 76% das vendas acontecem nas três últimas semanas de dezembro. Certos setores do comércio (chocolate, bebidas destiladas, brinquedos…) são completamente dependentes da Natal e Ano Novo.
É nestas festas que a Amazon realiza 70% de suas vendas. No dia 22 de dezembro de 2002, ao final do Angelus semanal, na basílica de São Pedro, em Roma, o Papa João Paulo II denunciava o excessivo consumo que tomou conta do Natal: “A simplicidade do presépio contrasta com a imagem de Natal, que é muitas vezes apresentada de maneira insistente pelos publicitários.
A bela tradição de troca de presentes no seio da família e entre amigos está ameaçada por certa mentalidade de consumo e corre o risco de perder sua autenticidade”. O Papa, lembrava, na ocasião, que “as condições indispensáveis” para preparar um Natal espiritual “são antes de tudo o recolhimento e a oração. E depois a aspiração de aceitar a vontade de Deus, qualquer que seja a maneira em que ela se manifestar”.
Como observa Solange Bied-Charreton, o Natal tornou-se a grande celebração da matéria, da riqueza e dos gastos. “Paradoxo assustador para quem se lembrasse do menino deitado na manjedoura de um estábulo, aquele presépio que ninguém mais quer, em nome de uma laicidade que deixa o campo livre para o nada espiritual, para a religião do ter.”
Para preencher o vazio insuportável, a corrida ao shopping, as gôndolas de chocolate industrial, os espumantes de terceira categoria, papais-noéis com barba de algodão e pinheirinhos chineses com forros sintéticos. E aquela tristeza indescritível que a grande maioria experimenta em todo fim de ano, lembrando tudo aquilo que poderia ter sido. Mas não foi… Fim de festa. Barriga cheia, alma vazia. A quantidade não valeu a qualidade. A nova religião não salva ninguém, dizem os sociólogos.
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