Nos anos 70, em Volta Redonda, RJ, o Clube dos Diretores Lojistas – CDL encabeçou uma campanha para que os mendigos fossem retirados da área central da cidade. A alegação principal era que o comércio ficava prejudicado por aquela… presença indesejável…
Curiosamente, não houve nenhuma reação das cabeças pensantes, haveria? Aquela espécie de “limpeza” parecia tão banal como a varredura das ruas e praças. Questão de higiene, talvez…
Esse projeto de “separação” continua bem atual. O surgimento das Alphavilles e outros condomínios “fechados” mostra que o mal-estar diante do pobre é inseparável dos projetos urbanísticos.
Passados mais de 50 anos do fato, voltou-me agora esta lembrança. E só agora acendeu-se uma lampadinha em meu cérebro. Os comerciantes tinham razão ao ver a presença dos mendigos como um “prejuízo” para seu negócio. Claro, no mundo capitalista, a noção de prejuízo anda de braços dados com a noção de lucro. É a regra do jogo.
Explico-me: você sai à rua com certa quantia de dinheiro no bolso, não existia ainda o dinheiro de plástico. Se você “desperdiçar” esse dinheiro com os pobres, não poderá gastá-lo com o comerciante. Você pensa comprar um vestido de luxo, ao ver o mendigo, a consciência dói. Você tinha em mente aquele aparelho de som de última geração, mas o som do pedinte interferiu com o primeiro. Sua intenção era trazer uma caixa de cerveja, mas o incômodo sujeito da calçada prefere um copo d’água.
Está claro? O mendigo e o comerciante são competidores. E, regra normal no mundo capitalista, é preciso afastar a competição…
Os primeiros cristãos viram com muita naturalidade que a ideia de acumulação de bens era incompatível com a mensagem do Evangelho. O Mestre havia apontado um caminho diferente: viver do essencial, confiar na Providência, aquela que cuidava dos pardais e do fio de cabelo…. E, acima de tudo, partilhar os bens.
Nos Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas, o médico que abandou sua clínica para evangelizar, está registrado o acontecimento até hoje atravessado no gogó do capitalista: “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um”. (At 2,44-45)
Ao longo da história, repetem-se as tentativas de “capitalizar” a Igreja, comprometendo-a com Hermes, Mammon e Moneta, entre outras divindades bancárias. Naturalmente, Deus aceita a aposta e retruca com Francisco e Teresa.
Os pobres continuam incomodando. E Jesus de Nazaré não para de clamar: “O Espírito do Senhor me ungiu e me enviou para anunciar a Boa Nova aos pobres”. Os ricos também poderiam ouvir a notícia, mas não parecem interessados…