Esta frase imperativa foi pronunciada por Jesus, o manso e humilde, no momento de sua prisão. Dirigia-se a Pedro, o velho pescador, que tinha uma espada e, tentando defender seu Mestre, decepou a orelha de um tal Malco, servo do sumo sacerdote.
Vou resistir à tentação que me assola e não perguntarei a ninguém o que fazia uma espada na cintura de um pescador de homens, ex-pescador de peixes. O absurdo é tão grande que merece meu silêncio…
O fato é que Jesus poderia ter invocado em sua defesa as legiões angélicas, mas preferiu trilhar o caminho da não violência. Afinal, ele via sentido em sua prisão, suplício e morte, em vista da salvação de toda a humanidade, sem excluir seus torturadores, pelos quais rezou antes de morrer.
Em Paris, convulsionada por disparos e manchetes, um grupo de redatores e chargistas acaba de ser trucidado por terroristas. Violência crua e inaceitável. Agora, é hora de temer reações igualmente inaceitáveis em uma sociedade pretensamente civilizada. Temo que o evento reforce outras modalidades de terrorismo do sistema e acentue as manifestações contra imigrantes de todos os quadrantes.
Afinal, cresce cada vez mais no planeta o conceito de que é preciso abolir as religiões para que a sociedade possa, enfim, viver em paz. Os novos fiéis dessa crença anti-religiosa examinam a História e pretendem que os conflitos humanos brotam das diferenças na fé. Os recentes casos de terrorismo islâmico sustentariam seu argumento.
Se possível, eu pediria ajuda aos serenos arqueólogos, e eles nos mostrariam as lanças e os tacapes que pertenceram aos trogloditas em um estrato de tempo ainda não visitado pelos pajés e sacerdotes. Falando mais claro: muito antes de erguerem o primeiro altar, os homens já se esfolavam mutuamente pelo controle de um território ou de um rebanho de carneiros. A violência humana está radicada na posse da terra, no domínio da água e no poder de decisão, não nos louvores ao Criador.
Todo ano, celebrando a Sexta-feira da Paixão, a liturgia da Igreja Católica orienta nossos olhos para o drama do Calvário. Ali, o Filho que nos foi enviado pelo Pai é preso, arrastado de tribunal em tribunal e, enfim, assassinado cruamente com a chancela do governador romano e o aplauso do sumo sacerdote judeu. Justo e inocente, Jesus é sacrificado para que se mantenham intactas as vantagens e conveniências do dirigentes da Palestina.
No momento de sua prisão, Simão Pedro saca da espada e fere um dos esbirros que prendiam o Mestre, trocando violência por violência. De pronto, Jesus reage e ordena: “Guarda a tua espada na bainha!” (Jo 18,11.) No Evangelho de Mateus, Jesus acrescenta: “Todos os que usam da espada, morrerão pela espada”. (Mt 26,52.) Bastam estas duas frases para ficar bem claro que a “religião” de Jesus não tem nenhuma afinidade com a violência e a força das armas. Se alguém invocasse seu Evangelho como pretexto para invadir, atacar e ferir, estaria fraudando gravemente a mensagem de Cristo.
Ainda no Evangelho de João (18,36), Jesus dialoga com Pôncio Pilatos, que o interrogava. E diz com todas as letras ao tímido governador romano: “O meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus”.
Como foi possível que a mensagem de Jesus fosse deturpada a tal ponto, que acabasse invocada como justificativa para conquistar lugares sagrados, impor uma religião de Estado ou perseguir dissidentes? Como é possível que ainda hoje tentem ideologizar o Evangelho para transformá-lo em arma de revolução social?
A leitura da Paixão de Cristo deve dar-nos força para encarar a realidade: o cristão é chamado a ser vítima, não carrasco. O lado do cristão é o lado dos vencidos, não dos dominadores. Quem se aproxima de Jesus à espera de um trono de poder ou, pelo menos, de uma subsecretaria, não entendeu nada do Evangelho. A “vitória” que Cristo nos oferece não virá antes do Calvário.
O profeta anunciara com séculos de antecedência: “Como cordeiro ao matadouro, ele ficou calado…” (Is 53,7.) Seguir Jesus é abraçar a cruz…
Comentários
Acrescento aqui o artigo de um padre francês indicado pelo teólogo Leonardo Boff
https://leonardoboff.wordpress.com/2015/01/10/eu-nao-sou-charlie-je-ne-suis-pas-charlie/