Dizem que ele está velho, caduco, terminal. Pobre do vós!
Não, revisão! Não estou falando dos avós – Deus os conserve! Falo mesmo do VÓS: a segunda pessoal do plural. Dizem que o povo a ignora e ela tem seus dias contados. Peço licença para discordar.
A Santa Igreja, que além de mãe sempre foi MESTRA-ESCOLA, mantém sua tradicional escolinha do abecê para ensinar o VÓS. E o faz com jeitinho e eficiência. Vejam, por exemplo, esta bela oração da santa missa no tempo do Advento:
– Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, nós vos pedimos que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro de vosso Filho, mas, instruídos pela vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Tudo muito claro, sem nenhuma confusão entre as pessoas envolvidas: o VÓS do Pai, o NÓS da assembleia e o ELE do Filho e do Espírito Santo. E fica bem claro que a “plenitude da vida” é do Filho.
Modernamente, entre outras aberrações, houve tentativas de eliminar o VÓS até mesmo dos textos da Bíblia, trocando-o por VOCÊ, sob a alegação de maior aproximação do povo, de “atualização” da linguagem etc. Como sempre, é mais fácil baixar em direção ao analfabeto do que erguê-lo à escarpada montanha do conhecimento.
Entre essas tentativas “pastorais” (sic), estive examinando o texto de uma tradução (que às vezes mais parece uma paráfrase) do Novo Testamento, publicada pela Liga Bíblica Mundial. Ali, o VÓS foi completamente abolido e trocado por VOCÊ/VOCÊS. O resultado é a criação de ambiguidades insuperáveis (justamente pela falta do VÓS).
Um exemplo: “VOCÊS não compreendem que CRISTO dá àqueles que confiam nele tudo quanto vocês estão procurando conseguir através da guarda de SUAS leis” (Rm 10,4). Pergunto: leis de quem: de Cristo ou de vocês?
Comparem com esta construção: “VÓS não compreendeis que CRISTO dá àqueles que confiam nele tudo quanto vós estais procurando conseguir através da guarda de VOSSAS leis”. Já não existe ambiguidade.
Outro exemplo da mesma fonte: “Sempre agradeço a Deus quando estou orando por VOCÊ, meu caro Filêmon, porque ouço continuamente a respeito do SEU amor e da SUA confiança no Senhor Jesus e no SEU povo” (Fm 4-5). Os dois primeiros pronomes possessivos (seu/sua) claramente se referem ao destinatário (Filêmon), mas o SEU povo, é povo de quem? Do Senhor Jesus ou de Filêmon?
Comparem com uma versão “caduca” do VÓS: “Sempre agradeço a Deus quando estou orando por VÓS, meu caro Filêmon, porque ouço continuamente a respeito do VOSSO amor e da VOSSA confiança no Senhor Jesus e no SEU povo”. Agora, está claro que o povo é do Senhor, e não do pobre Filêmon, que não é dono de povo algum…
Outro aspecto importante é o tom de solenidade e respeito típico da segunda pessoa do plural. Se até os juízes cobram o “Vossa Excelência”, com que licença chamaremos a Deus de “você”? O VÓS mantém a devida distância e reverência entre o Divino e o humano, entre o Infinito e o finito, entre o três vezes Santo e o muitas vezes pecador. Abolindo esta distância necessária, passaríamos do VÓS para o você e, quem sabe, para um jocoso: “E aí, ó cara?”
Tenho acompanhado certo programa de cantores em busca de um prêmio na TV. Boa parte dos candidatos declara que o início de sua carreira musical aconteceu no ambiente de sua igreja. Posso lembrar apenas Elvis Presley? É verdade. As igrejas cristãs sempre foram (continuam sendo) uma escola de música. Muita gente, ainda hoje, só escuta uma peça musical menos grosseira e capenga quando vai ao culto ou à missa.
Devo lembrar mais uma vez o papel da Igreja na Inglaterra, ao dar refinamento linguístico ao bárbaro idioma primitivo dos ingleses? Foi a publicação do “Common Prayer Book”, em 1552, e sua utilização no templo, nas mãos do povo, que enriqueceu aquela fala de marinheiros com 40% de vocabulário de raiz latina, dando-lhe novas possibilidades de expressão, com termos que jamais seriam ouvidos no porto, no pub ou no campo de futebol.
A Igreja é mestra. A Igreja ensina. E boa parte da burrice reinante tem sua origem nas igrejas vazias…