A cena é real. Quem narra é Mons. Claude Rault, Bispo do Sahara argelino, durante uma palestra aos monges cistercienses da Abadia Val Notre-Dame, em 2010.
Antes de ser sagrado bispo, ele lecionava em um colégio de meninas, em uma cidade da Argélia. No final de uma aula, quatro alunas invadem seu escritório. A mais saída das meninas toma a palavra:
– Senhor, nós gostaríamos de lhe pedir uma coisa…
O professor entendeu que se tratava de algo relacionado com a turma e concordou prontamente. Imediatamente, em tom imperativo, olhando para ele e para as colegas, a menina diz:
– “Ashad, Senhor!”
Em árabe, “ashad” quer dizer: faça a profissão de fé muçulmana, torne-se muçulmano.
O padre professor respondeu calmamente que ele a respeitava, como a todos os muçulmanos e ao Islã, mas tinha optado pelo caminho de Jesus.
Cheia de despeito, a menina responde:
– Tudo bem. Você vai queimar no inferno!
Antes que ele pudesse responder, a menorzinha das quatro garotas dá um passo adiante e diz:
– Olha, se eu estiver no céu e enxergar o senhor no inferno, prometo que vou descer para te buscar lá!
* * *
Eis aí o verdadeiro amor! Ele não conhece barreiras. Ele não se deixa deter por fronteiras doutrinárias ou por credos políticos. Nem a etnia nem a cultura lhe servem de obstáculo. Nem mesmo a distância infinita entre céu e inferno pode impedir que uma garota árabe, cheia de amor, faça o mergulho vertical para salvar uma alma…
O episódio pede por um exame de consciência. Qual tem sido a regra de minha vida? Qual é o metro de minhas atitudes? Qual o critério de minhas palavras? Será o dogmatismo doutrinário? Será a ilusão de ser dono de Deus? Será a segurança de nossas exclusões?
Se for, estamos mal. E não resistiremos ao julgamento extremo, onde a garotinha certamente estará presente como advogada da defesa.
E convém não esquecer as palavras de fogo de Paul Evdokimov, em seu livro “L’Amour fou de Dieu” [O Amor louco de Deus, Ed. du Seuil, 1973]: “Por mais profundo que seja o inferno onde os homens já se encontrem, mais fundo ainda se encontra o Cristo à espera. O que ele pede ao homem não é a virtude, o moralismo, a obediência cega, mas um grito de confiança e de amor no fundo de seu inferno. O homem jamais deve cair em desespero. Ele só pode cair em Deus, e Deus não desespera jamais”.
Enfim, se a religião tem sido apontada como causa de conflitos, ao mesmo tempo que se propõe a sua extinção, certamente os religiosos conhecidos não demonstraram muito amor…