Da natureza à Criação

Publicado por Antonio Carlos Santini 29 de junho de 2015

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Quando se fala em “natureza”, fica implícita a compreensão de que se trata de algo “natural”. Céus e terra, lagos e rios, savanas e pradarias, tudo brotou “naturalmente” em função de um poderoso agente chamado Acaso.

Se, porém, eu falo em “Criação”, dou a entender que uma Inteligência está na fonte e na origem de tudo o que existe. Mais ainda: tudo o que existe brota de um desígnio, de uma Liberdade pessoal que chamou os seres à existência.

Em sua recente Encíclica Laudato si’, o Papa Francisco realça esta importante diferença:

“Na tradição judaico-cristã, dizer ‘Criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a Criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal.” [LS, 76.]

Não é a mesma coisa relacionar-se com um depósito de matérias-primas acumuladas pelo acaso ou com um acervo de dons recebidos do Criador e a nós, humanos, confiado como “cosmo” a ser trabalhado e aperfeiçoado.

No mesmo documento, Francisco observa: “O universo não apareceu como resultado duma onipotência arbitrária, duma demonstração de força ou dum desejo de autoafirmação. A Criação pertence à ordem do amor. O amor de Deus é a razão fundamental de toda a Criação: ‘Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado’. [Sb11,24.]

Então, cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho.” [LS, 77.]

Esta visão revelada ao povo da Bíblia dá à ciência as bases para dessacralizar os astros e libertar os homens do estado de terror permanente de quem se sente ameaçado por forças cósmicas impenetráveis. Reduzidos a lâmpadas e relógios – como se lê no Livro do Gênesis -, os astros tornam-se meros objetos de análise; em lugar de culto e sacrifícios, de horóscopos e mapas astrais, os corpos celestes inspiram agora a pesquisa dos astrônomos e dos climatologistas.

Mas são frágeis esses dons recebidos do Criador. A ação predatória do homem – que um teólogo dos anos 60 apelidou de “câncer da Terra” – já demonstrou essa fragilidade: lagos secos, rios exauridos, nascentes mortas, espécies animais extintas são uma interpelação para nossa mudança de atitudes e de estilo de vida.

A Encíclica Laudato Si’ comenta: “Se reconhecermos o valor e a fragilidade da natureza e, ao mesmo tempo, as capacidades que o Criador nos deu, isto permite-nos acabar hoje com o mito moderno do progresso material ilimitado. Um mundo frágil, com um ser humano a quem Deus confia o cuidado do mesmo, interpela a nossa inteligência para reconhecer como deveremos orientar, cultivar e limitar o nosso poder. [LS,78.]

No fundo, ouve-se o Poverello de Assis a entoar seu hino ao Criador. Cotovias revoam a seu redor, um gamo vem lamber sua mão. E nós todos somos convidados a assumir uma atitude de criadores que se inspiram a cada dia no mesmo impulso inicial que chamou os seres à existência.

Louvado seja!

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