Arte: Uma crise religiosa

Publicado por Antonio Carlos Santini 1 de setembro de 2009

Arte: Uma crise religiosa

Thomas Merton foi um monge e escritor católico que viveu nos EUA (1915-1968) e que teve uma relação muito próxima com Dom Helder Câmara e outros pensadores da Igreja Católica brasileira. Nos anos 60, em seu livro “Poesia e Contemplação”, anotara o esvaziamento de sentido do homem moderno. “Numa era de ciência e tecnologia, em que o homem se sente confuso e desorientado pala fabulosa versatilidade das máquinas por ele criadas, vivemos a cada momento precipitados fora de nós mesmos. Estamos interiormente vazios, espiritualmente perdidos, procurando, a todo custo, esquecer-nos de nosso próprio vazio, e prontos a nos alienarmos completamente em nome de uma ‘causa’ qualquer que surja. Numa época dessas, parece absurdo falar em contemplação.”

Thomas Merton e o Dalai Lama

Passados quarenta anos da edição inglesa de seu livro, Merton permanece profético. Os mesmos que afirmavam que “tempo é dinheiro”, que “não há tempo a perder”, são aqueles que andaram celebrando uma civilização do lazer, onde o sedentário passa longas horas mesmerizado diante da TV e seus similares portáteis. Mas a mensagem dos programas não preencheu o vazio das almas. Ou… não havia mensagem?

Em seu estudo clássico sobre a linguagem dos ícones, Paul Evdokimov, teólogo ecumênico cristão ortodoxo, no livro “A arte do ícone, teologia da beleza”, de 1972, assevera: “A crise atual da arte sacra não é estética, mas religiosa. Se existe ainda, em nossos dias, um fundamentalismo teológico que faz da Bíblia um Corão, e, na outra extremidade, um cientificismo exegético, detalhista, que, em nome da desmistificação a simplifica ao extremo, trata-se de uma crise de crescimento do mundo contemporâneo, com a sensibilidade ainda à procura de seu equilíbrio.”

Continua o autor “Nos dois casos, o iconoclasmo generalizado, ou seja, a recusa do ícone, vem da progressiva perda do simbolismo litúrgico e do abandono da visão patrística”. Patrística é o nome que se dá ao estudo da doutrina e do pensamento dos Padres da Igreja, um grupo de autores cristãos dos 5 primeiros séculos da Igreja, como Ireneu de Lião, Justino de Roma, Agostinho de Hipona, Cirilo de Jerusalém etc. Sua doutrina oferece as fontes para a catequese e a leitura da Sagrada Escritura. Também se fala em patrologia, o estudo da vida e da obra dos mesmos, com foco mais histórico e literário.

Arte: Uma crise religiosa

Evdokimov pensa em uma “linguagem” que não seja apenas expressão de estesia, do sentimento do belo, mas capaz de revelar o homem “real” – o que inclui sua vida no Espírito – e, muito mais, a sua trans-figuração. O esteticismo é uma espécie de deformação da estética, quando se pretende fazer arte pela arte, sem nenhuma preocupação com o conteúdo a ser transmitido. Nossos poetas parnasianos como Alberto de Oliveira se enquadram nesta doença. A crítica modernista caiu de pau em cima deles, pois leva à perda do vínculo orgânico entre conteúdo e forma. Tal como ocorre no conhecimento, também a arte se separa da contemplação mística e, de ruptura em ruptura, mergulha no formalismo do nada.

Creio que sirva de exemplo dessa decadência expressional o Crucificado de um templo católico em Venda Nova, Belo Horizonte. A imagem de Cristo foi produzida por meio da aglomeração de peças de sucata metálica, tendo como resultado um objeto de horror que inspira medo e repulsa no espectador. Esquecido o lado pedagógico das imagens sacras, ninguém pensou no efeito daquele “monstrengo” sagrado sobre os olhares e as mentes infantis… Ou seria, antes, uma parábola sobre determinado processo de ruptura e demolição, intencionalmente provocado no interior da Igreja, a partir dos anos 60?

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