A oportunidade da perda

Publicado por Antonio Carlos Santini 2 de setembro de 2019

A oportunidade da perda

Foto: Brigitte Serenity Studio

Nunca me esqueço daquela parenta que me disse:

– Foi a melhor coisa que me aconteceu…

Na força de seus 25 anos, ela se envolveu em um acidente de estrada e veio a perder
uma das pernas e metade da outra.

Natural, a frase choca e ficou bem gravada em minha mente. Com o passar dos anos,
pude comprovar o sentido de seu desabafo. Os aparentes fracassos de nosso itinerário
acabam por tornar-se a oportunidade de uma reviravolta em nossa vida e de nos projetar
a horizontes insuspeitados.

Recentemente, relendo a autobiografia do conhecido pregador Inácio Larrañaga, ele
confirma tudo isto: “Observando atentamente ao meu redor, jamais pude ver um ser
humano que, nadando em riqueza, saúde ou prestígio, tivesse dado o salto mortal no
mar de Deus e se tivesse convertido. Nenhum caso. Não sei do que se trata, porém é
visível que o bem-estar fecha o homem em si mesmo, submete-o ao grilhão do egoísmo,
conforme aquele instinto primário que se converte em uma das leis universais do
coração: procurar o agradável e rejeitar o desagradável. Com o bem-estar, o homem tem
tudo; não precisa de nada”.

Ora o homem é um nada, diz o pensador da Escritura. Enquanto ele se ilude com os
brilharecos dos negócios, dos aplausos e das amizades duvidosas, continuará circulando
em torno de seu próprio vazio. Não se espere deste iludido autossuficiente algum tipo de
solidariedade, de altruísmo, de dedicação ao próximo.

A história faz desfilar aos nossos olhos uma esplêndida procissão de fracassados que
encontraram o sentido da vida e o chamado à missão apenas depois de verem os sonhos
reduzidos a pó. Francisco de Assis e Inácio de Loyola são dois casos exemplares.

No fundo do poço, o homem desperta para seu nada, despe-se do orgulho e da
arrogância, pronto a deixar-se modelar. Nas palavras de Larrañaga, “depenado e
impotente, o homem transforma-se em matéria-prima apta e maleável nas mãos de
Deus. Agora que todas as suas seguranças falharam e os pilares de sustentação se
transformaram em pó, a única segurança que o homem pode vislumbrar à sua volta é
Deus”.

Curiosamente, as pessoas se dividem em dois grupos: aqueles que veem no fracasso
apenas uma desgraça e aqueles que encontram no sofrimento a catapulta para um novo
nascimento. Os primeiros, fechados em sua concha, se desesperam, os outros se abrem à
graça de Deus e experimentam os primeiros passos de uma vida transfigurada.

A conclusão é que nosso Deus é um grande pedagogo. Ele sabe que mãos cheias não
têm como agarrar os seus dons, assim, começa por esvaziá-las e nos reduz à condição de
pedintes, agora dispostos a acolher os tesouros de seu amor.

Nossas perdas são oportunidades. Elas abrem espaço para uma vida livre e feliz. E,
como dizia a minha jovem parenta:

– Eu estava mesmo andando depressa demais…

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