Tenho observado que a expressão “Igreja dos pobres” produz sério incômodo – e algumas erupções de pele – nos católicos que não se sentem pobres. É pena que reajam assim, pois de fato somos todos pobres. A mãe que não tem pão para os filhos é pobre. O milionário que não consegue curar seu câncer é igualmente pobre. Ser humano é ser limitado, dependente, pobre.
Entretanto, os católicos com alergia à expressão “Igreja dos pobres” poderiam rever o filme “Irmão Sol, Irmã Lua” de Franco Zeffirelli, ano de 1972, e notariam os fiéis ricos nos primeiros bancos da igreja, vestidos de veludo e seda, enquanto os mendigos se aglomeram junto à porta de saída, cobertos de andrajos. Salvo melhor juízo, estamos diante de uma “Igreja dos ricos”.
Para não ficar limitado aos tempos de Francisco de Assis, compartilho uma lembrança de minha infância. Aos cinco anos de idade, filho de uma costureira e de um ferroviário, ao sair para a missa, eu ouvia a advertência de minha mãe: “Reconheça o seu lugar!” É que os bancos da capelinha tinham gravado um nome de família. A gravação na madeira registrava que determinada família havia sido a doadora daquele banco de madeira. Ou seja, na prática, o banco tinha dono. Se eu me sentasse em um deles, corria o risco de ouvir: “Saia daí! Este banco não é seu!”
Mais uma vez, estamos diante da Igreja dos ricos. Não raro, os doadores eram tratados com deferência especial por parte dos pastores, pois deles vinham as espórtulas mais polpudas e os lances mais altos nos leilões paroquiais.
Parece que as coisas começaram a mudar com o Concílio Vaticano II. Ao fim da missa em uma paróquia do Leblon, Rio de Janeiro, por volta de 1960, o pároco cumprimentava os fiéis. Aproximou-se um deles com um maço de notas na mão, oferecendo:
– Padre Fulano, isto é para os seus pobres…
– Meus pobres?! – reagiu o pároco. Seus pobres!!! O senhor é que os cria naquela imunda fábrica de sabão lá no alto do morro…
O ofertante era dono de uma fabriqueta de sabão na favela, onde crianças precisavam subir em banquetas para remexer a mistura do sabão nos tachos ferventes. Não admira que o pároco recusasse o dinheiro sujo de sebo e de sangue…
Anoto estes fatos na intenção de serenar os fiéis que se sentem ricos e ajudá-los a ouvir sem arrepios a expressão “Igreja dos pobres”. Afinal, nosso Fundador era muito pobre, nem tinha onde reclinar a cabeça. Além disso, a primeira comunidade cristã partilhava seus bens, de modo que ninguém passava fome. E uma admirável legião de santos chegou à santidade exatamente cuidando dos mais pobres. Em tempos mais recentes, só para exemplificar: Teresa de Calcutá, Dom Bosco, José Cottolengo, Dom Orione, Damião de Veuster, Nhá Chica e Irmã Dulce…
Ao dizer “Igreja dos pobres”, não se exclui ninguém dos benefícios da graça de Deus. Todo aquele que reconhece sua pobreza é bem-vindo nesta Igreja…