Já faz tempo que os poderosos deste mundo demonstraram sua incapacidade de estabelecer a paz. Ao contrário, quanto mais poderosos se tornam, mais contribuem para a guerra.
Um simples exemplo: quando a tribo fabricava tacapes, as agressões atingiam um curto raio de ação; após o míssil “inteligente”, a irradiação da morte foi amplificada ao máximo.
Uma triste ilusão aninhou-se em nossas mentes: se trocássemos um poder por outro, chegaríamos à paz. Ora, a fragmentação da União Soviética e a troca de um regime comunista por outro capitalista não trouxeram a paz.
Quando o poder se torna opressivo, ronda-nos a tentação de organizar o povo, torná-lo poderoso a ponto de contestar e derrubar os tiranos. Trata-se de reunir mais poder do que o poder que nos oprime. Assim ocorre nas revoluções e no terror. Curiosamente, a guilhotina inventada pelos revolucionários cortou a cabeça de seus próprios líderes.
Georges Haldas auxilia nossa reflexão: “Em que consiste o poder neste mundo? Em dominar, explorar, esmagar o outro. Em humilhar a pessoa humana pelo dinheiro, pelo poder, pela cultura, pela sexualidade, vejam as miseráveis zombarias sobre os ‘impotentes’. E ainda mais: quando o poder é contrariado, questionado ou ameaçado, como reage ele, senão pela repressão, pela exclusão, pelo terror, quando necessário, e afinal de contas pelo assassinato. Em uma palavra, digamos que a chave de abóbada do poder é o homicídio. E foi exatamente por isso que Cristo, por três vezes, recusou o poder”.
Parece difícil compreender que não haverá paz em uma sociedade de poderosos. Nesta, a disputa pela terra e pela água, pela voz e pela vez, gera permanente conflito. Somente quando fôssemos todos fracos, compartilhando da mesma fraqueza, atingiríamos o estado da paz.
A literatura, o teatro e o cinema já nos deram exemplos de pessoas que ansiavam pelo poder e, sem perceber os riscos dessa ‘hybris’, fizeram um pacto com o diabo. Em sua tentação no deserto, Jesus recusa a ‘ajuda’ de Satã e aposta todas as suas fichas no Pai, abrindo mão de amealhar sucesso, glória e poder. Jesus sabia que a Fonte de seu ser estava no Pai. Podia esperar tudo dele e consagrar sua vida à salvação da humanidade.
Como observa Haldas, Cristo fez uma opção pela paz: “em lugar do poder e da dominação, o dom de si aos outros; em lugar da corrida ao dinheiro, a pobreza; em lugar dos prestígios de uma pseudocultura, os ‘pobres em espírito’, com o coração acima do saber; em lugar do desprezo pela pessoa humana, o respeito e a solicitude; em lugar de reduzir o outro à escravidão, libertá-lo; em lugar de excluir, integrar; não mais terrorizar, mas dar confiança. E, enfim, no ápice dessa relação – se se pode dizer, humanizadora -, não mais o assassinato, que separa, mas a comunhão que une; não mais matar o outro para sobreviver ou por ódio e medo, mas dar sua vida para que ele viva”.
Longe de nossa Fonte, vazios de amor, nós vemos o outro como temível competidor. E se Caim vai matar Abel, como chegaremos à paz?