Durante décadas os americanos foram vistos na América Latina como interventores, arrogantes e imperialistas. Movidos por sentimentos nacionalistas, os movimentos estudantis por toda a América Latina cunharam a expressão “Yankees go home!” para dar seu recado aos intrometidos: “Americanos voltem para casa!”. “Yankees” foi o apelido dado aos nortistas pelos sulistas na Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana, mas como os nortistas foram os vencedores, o caráter pejorativo não colou. Mas de qualquer maneira, se a intenção basta, o termo era dito com conotação ofensiva. Pois bem, atualmente parece que está acontecendo algo inverso, os americanos é que querem mandar os latinos de volta para casa.
O Presidente Abraham Lincoln (1809-1865), marcado por sua origem social humilde, é um dos maiores heróis da história dos Estados Unidos. Se os EUA foram fundados pela persistência e visão de George Washington, foi Lincoln com sua tenacidade que não deixou o país se partir em dois, quando venceu os separatistas do sul na Guerra de Secessão que durou os cinco anos de sua presidência (1861-1865) e, ao custo de 1 milhão de vidas, construiu o exército que se tornaria o mais poderoso do mundo. A abolição da escravatura acabou sendo, por fatores casuísticos, uma das principais obras do presidente Lincoln. Mas inicialmente os planos de Lincoln eram outros.
Em 1816, quando Lincoln tinha apenas 7 anos de idade, foi criada a American Colonization Society, que tinha por objetivo levar de volta para a África os negros que iam sendo libertados da escravidão nos EUA. Foi adquirida uma área que veio a se tornar mais tarde a Libéria, que por sua vez veio a ser governada pelos descendentes desses antigos escravos. Segundo esse pensamento os negros não teriam condições de se adaptarem à sociedade americana, pois divulgava-se que o casamento de brancos com negros poderia gerar criaturas anômalas, além do sério aumento da criminalidade que os negros livres representariam. Lincoln pretendia transportar todos os negros para a África ou para os países latinos que os aceitassem antes de abolir a escravidão. Mas os fatos da Guerra de Secessão o obrigaram a assinar esse ato, para enfraquecer as forças adversárias do sul.
O presidente Barack Obama lembra o presidente Lincoln em diversos aspectos, principalmente pelo fato de que ninguém levava sua candidatura a sério no início. Filho de um estudante negro do Quênia com mãe branca de família tradicional de classe média americana, Obama em seu discurso de posse homenageou cada imigrante que ali chegou ajudando a construir o país:
“Por nós, eles colocaram seus poucos bens terrenos em uma mala e viajaram através de oceanos em busca de uma nova vida.
Por nós, eles suaram nas oficinas e colonizaram o Oeste; suportaram chicotadas dolorosas e lavraram a terra dura.
Por nós, eles lutaram e morreram, em lugares como Concord e Gettysburg, na Normandia e em Khe Sahn.
Incansavelmente, esses homens e mulheres lutaram, se sacrificaram e trabalharam até calejar as mãos para que pudéssemos ter uma vida melhor.
Eles viam a América como algo maior que a soma de nossas ambições individuais; maior que todas as diferenças de nascimento, riqueza ou facção.
Esta é a jornada que continuamos hoje.”
Mas depois dos palanques de campanha vem o gabinete da Sala Oval, encolhem-se os sonhos e chega a realidade. Realidade dura para os latinos que colheram laranjas e tomates de sol a sol, respiraram o pó insalubre das lixadoras na construção civil, os odores do lixo, se sujaram com o sangue dos matadouros ou trataram carinhosamente os bebês para que as mães americanas pudessem desempenhar melhor seus papéis no mundo moderno. E muitos latinos vestiram a farda bege do Exército dos Estados Unidos, tendo muitos feito a viagem sem volta para os campos de batalha do Vietnam, do Iraque e do Afeganistão.
Reportagem recente nas páginas do jornal “Brazilian Voice” da comunidade brasileira nos EUA, de autoria de Leonardo Ferreira, sob o título “Crise econômica força imigrantes a avaliarem vida nos Estados Unidos” diz que os especialistas em imigração resistem em aceitar a existência de um ‘êxodo’ voluntário ao reverso para a América Latina. Entretanto, afirma o repórter, existe a evidência de que operários diaristas já começaram a fazer as malas de volta, como resultado da crise econômica e endurecimento das leis migratórias.
A matéria entrevista Pedro Pablo, um imigrante ilegal da Guatemala que veio aos EUA para sustentar sua família, a esposa mais cinco filhos. Quando ele chegou aos EUA o trabalho na construção civil era abundante, mas ao longo do ano passado, disse ele, trabalhou somente três dias. Pedro vivia em um apartamento de 1 quarto que dividia com outros 7 indivíduos. Seu “quarto” consistia de um canto na sala de estar, onde ele mantinha seu cobertor, bolsa e uma foto da família. “Não consegui vencer aqui”, disse ele. “Se tiver que sofrer, é melhor sofrer na Guatemala com a minha família”.
Continua a matéria: …Pedro Pablo dobra devagar seu cobertor estampado com a bandeira dos Estados Unidos e coloca-o em uma bolsa. Junto com ele guarda seu Sonho Americano.
“Eu deixei a minha família e perdí quatro anos da companhia dela. Pedirei que eles me perdoem”, comentou Pedro quase às lágrimas. Em seguida ele embarcou em um ônibus, somente de ida, pago pelo Consulado da Guatemala em Los Angeles (CA). “Pensei que poderia melhorar aqui. Arrependo-me de ter vindo” diz ao se despedir do paraíso que não encontrou.
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