Os desafios sobre-humanos da navegação já nos renderam notáveis epopeias e excelentes novelas. Para citar apenas três, a “Odisseia”, “O Velho e o Mar”, “Moby Dick”. Na ficção e na realidade, uma constante: o sucesso da barca depende mais do vento que dos pilotos. Este é o princípio adequado para contemplar o atual momento da Igreja de Roma, quando o Papa Bento XVI assina humildemente sua própria aposentadoria.
Claro, ainda que de passagem, é impossível fugir da comparação com outros personagens da História que, uma vez guindados a uma situação de poder, a ela se apegaram com unhas e dentes, mesmo à custa de revoluções e sangue derramado. Alguns desses podestà ainda se deram o trabalho de fundar verdadeiras dinastias, como vimos na Coreia do Norte e em alguns estados de cultura árabe.
Não é assim na Igreja. O Bispo de Roma é mero servidor da comunidade católica. Quando o Papa Paulo VI mandou vender sua tiara de ouro para transformá-la em obras de caridade – gesto repetido por João Paulo II, em 1980, ao doar seu anel de ouro aos favelados do Vidigal -, ficava evidente que aqueles pontífices não posavam de poderosos. Sabiam muito bem que o poder exercido não lhes pertencia, mas estavam a serviço da Igreja e da humanidade.
Voltando ao hit do momento, a inesperada renúncia do Papa faz cócegas na curiosidade (e na malícia) de toda a mídia. Se a Igreja Católica fosse mais conhecida como a Barca de Pedro, se ela não fosse habitualmente reduzida a uma corporação internacional, uma sociedade de profissionais da religião, o frisson seria mais contido. Basta repassar a lista de papas mais recentes (digamos, a partir de Pio XII), para verificar – sem espanto – a notável diversidade de temperamentos e de posturas desses pontífices, diversidade que jamais impediu que a Barca navegasse sempre no rumo que Cristo traçou no mapa da História. O rumo da Igreja não depende de seu piloto humano, mas daquele que insufla suas velas.
Enquanto tremiam e ruíam por terra organizações humanas aparentemente sólidas, como o Império Austro-Húngaro, o III Reich e a União Soviética, a Igreja Católica saiu ilesa das perseguições, das calúnias e dos gulags. Logo, não seria a aposentadoria de um Papa que iria abalar a Igreja.
Natural que surjam perguntas. Que esperar do novo Papa? Qual será a sua “linha”. Ora, seja ele um papa africano, latino-americano ou oriundo do episcopado norte-americano, o novo Papa seguirá o mesmo trajeto de sempre, abrindo janelas para a questão ecumênica, cobrando das grandes potências o cuidado dos pobres e – acima de tudo – apontando para Jesus Cristo como o único Caminho para a humanidade.
Se a Igreja fosse uma empresa qualquer, um novo presidente provocaria preocupações. Como a Barca de Pedro é inspirada pelo Espírito Santo, o Vento importa muito mais que o piloto…
Comentários
Obrigada por mais um texto tão rico, que o Espírito Santo sempre conduz sua própria Igreja. Esperamos o novo Papa com muita tranquilidade
Meu caro Santini, é bom a gente poder ler algo assim, como esse texto seu. Ele dignifica e modifica o pensamento antagônico que perpassa essa sociedade desnutrida de valores cristãos, morais, éticos. Tenho ouvido, visto e lido absurdos contra a Igreja, o Papa, e religiosos. Algumas publicações são até ofensivas. Ainda bem que temos pessoas que param, pensam e dizem coisas sérias. Obrigado. Marcelino