Sacerdócio e Política – Parte 2 – Um Pouco de História
Vejamos também caro leitor, em sua atual conjuntura, a Igreja Católica apresenta sérias restrições à presença de padres na política, mas não foi sempre assim. Para exemplificar vamos recorrer à história. Em 1817, numa Revolução que eclodiu em Pernambuco, seus lideres buscaram inspiração nas constituições francesas de 1791, 1793 e 1795. Os filhos de senhores de engenho que viajavam ao exterior, completando seus estudos, em Portugal ou na França, voltavam imbuídos de novas idéias e se tornavam seus propagandistas. O seminário de Olinda era um reduto importante dos estudos dessas idéias iluministas, tornando-se seu disseminador. Foi uma das melhores escolas secundárias do Brasil. Nela, os jovens eram formados segundo um novo modelo, inspirado na observação da natureza e na valorização do espírito prático, afastando-se das especulações do ensino jesuítico.
Esse era o modelo de sacerdote que se pretendia formar no Seminário, educando sempre jovens atentos aos elementos da natureza, mas também contribuía para formar, no plano político, republicanos desejosos de livrar-se das garras de Portugal. Os lideres lutaram ativamente por aquilo que chamavam de “Direitos Naturais” dos cidadãos, garantindo ao individuo o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Neste contexto é que destaca-se o trabalho, dos padres João Ribeiro, Miguel Joaquim d’Almeida Castro (Padre Miguelinho), Joaquim do Amor Divino Caneca (Frei Caneca), João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro e José Inácio de Abreu e Lima (Padre Roma), que tiveram grande influência dentro da Revolução Pernambucana. Alagoas também conheceu figuras imponentes do seu Clero como Monsenhor Capitulino, Monsenhor Cícero Vasconcelos, de Viçosa e Padre Medeiros Neto.
Em Minas Gerais, entre tantas figuras do clero no cenário político, permita-me citar e tomar como exemplo, parte da história do Padre José Bento, vigário da freguesia de Pouso Alegre desde 1810, que transformou-se na mais importante liderança política do Sul de Estado, até sua morte em 1844. Em 1834 foi escolhido para o cargo de Senador do Império, após vários mandatos de Deputado Provincial e Geral. Por ocasião da Independência do Brasil, no momento em que as províncias definiam seus governantes e as suas autoridades, foi eleito para ocupar um lugar no Conselho Geral da Província de Minas Gerais. Daí para frente, o político vai suplantar o sacerdote, e as suas atividades políticas acompanharão o desenrolar dos fatos que se processam no centro dinâmico do país. Ele não é o único, mas é um grande exemplo que expressa a figura do Padre que vê na política a forma de prestar um serviço ao bem comum, nos primórdios da nacionalidade brasileira.
Assim quase todos os estados brasileiros têm como figuras relevantes em sua história, celebridades do clero como Padre Cícero do Juazeiro, Ceará, Padre Ibiapina em toda a Região Nordeste, Padre Lage em Belo Horizonte, Padre Hugo Paiva no Rio de Janeiro, e até um bispo salesiano, Dom Aquino Correia, que chegou a ser governador do Estado do Mato Grosso. Por estas e outras razões não podemos negar a participação de muitos padres em movimentos políticos que contribuíram historicamente com a emancipação social e democratização do Brasil.
No tempo da Ação Católica, que atingiu seu ápice na década de 60, havia um trabalho fundamentado no compromisso cristão com a realidade, até entrar em confronto com a Ditadura Militar brasileira. Neste contexto, do nosso processo histórico, não podemos esquecer da contribuição do Papa Paulo VI na formação e atuação política da Itália. O compromisso cristão e profético da Igreja no Brasil e na América Latina após o Concílio Vaticano II, estimulou muita gente a assumir uma responsabilidade política, muitas vezes se sujeitando a sérios riscos de perseguição. Aliás, neste sentido podemos afirmar categoricamente que marcantes propostas políticas nasceram das linhas pastorais de uma Igreja comprometida com a libertação de seu povo sofrido e marginalizado em toda a América Latina.
Mas foi mesmo a partir da inspiração do Concílio Vaticano II, do compromisso das Comunidades Eclesiais de Base, da Opção pelos Pobres e da Teologia da Libertação, que muitos padres abraçaram a evangelização com inserção no mundo da Política. Muitos sacerdotes foram perseguidos por denunciar tantas injustiças cometidas por agentes políticos. Muitas destas vozes foram torturadas e caladas a bala, foram martirizados! Só para citar, quem não se lembra de Frei Tito Alencar, Padre Ezequiel Ramin, Padre Gabriel, Padre João Bosco Burnier, Padre Josimo e até o Arcebispo de El Salvador, Dom Oscar Romero?
Neste mesmo contexto reflexivo, não poderemos concluir esta matéria sem trazer para reflexão o caso do Presidente do Paraguai, o bispo Fernando Lugo. Muito recentemente o mundo assistiu à condução de Fernando Lugo à presidência do Paraguai eleito pelas forças populares. Lugo abriu mão do ministério episcopal e aceitou ser candidato, tendo sido eleito com um turbilhão esmagador de votos. Mas também em 22 de junho deste ano, assistimos extasiados sem saber muito as razões, o congresso paraguaio destituir Lugo, sem pelo menos assegurar-lhe o necessário direito de defesa. É o chamado “golpe constitucional”. Segundo a publicação do escritor e teólogo Frei Beto, na agencia de noticias Adital, estas medidas vêm sendo adotadas pelos EUA em Honduras, e agora no Paraguai.
Preocupa à Casa Branca o progressivo número de países latino-americanos governados por lideranças identificadas com os anseios populares e incômodas aos interesses das oligarquias. Fernando Lugo foi o segundo sacerdote católico eleito presidente de um país no continente americano. O primeiro foi Jean-Bertrand Aristide, que governou o Haiti em 1991, de 1994 a 1996, e de 2000 a 2004. Os dois decepcionaram suas bases de apoio. Segundo o comentário de Frei Beto em Adital, não souberam levar à prática o discurso da “opção pelos pobres”. Receosos diante das elites, a quem fizeram importantes concessões, não confiaram nas organizações populares.