Homenagem aos que ficaram no mar

Publicado por Célia de Souza 25 de junho de 2009

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Alfonsina Storni, poetisa e escritora do pós-modernismo argentino nasceu em Sala Capriasca, Suíça, em 29 de maio de 1892 e desapareceu na madrugada de 25 de outubro de 1938 em Mar del Plata, Argentina. Seu pai foi quem lhe escolheu o nome. Ele era um homem introvertido e batalhador. Alfonsina quer dizer “disposta a tudo”.

Aos 19 anos se torna mãe de Alejandro, de pai desconhecido. Disposta a desdenhar dos valores hipócritas da sociedade da época, publicava seus poemas na revista “Mundo Argentino” junto com Rúben Dário, poeta nicaragüense considerado a maior expressão da poesia pós-modernista em língua espanhola, e freqüentava os mesmos círculos de José Ingenieros, pensador e escritor eclético ítalo-argentino.
Aos 46 anos, ao descobrir que tinha um câncer de mama, para o qual não havia à época nenhuma esperança de tratamento, a angústia de Alfonsina foi aumentando, até que um dia entrou caminhando na praia de Mar Del Plata e deixou-se levar pelo mar.
Seu último poema “Vou dormir” foi escrito uma semana antes e enviado para os jornais.

Vou dormir (Voy a dormir)
Alfonsina Storni

Dentes de flores, coifa de orvalho,
mãos de ervas, tu, fina ama-de-leite,
deixa-me prontos os lençóis terrosos
e a colcha de musgos catados.

Vou dormir, minha ama-de-leite, deita-me.
Põe-me uma lâmpada à cabeceira,
uma constelação, a que te agradar,
são todas boas, abaixe-a um pouquinho

Me deixa sozinha: ouves romper os brotos,
embala um pé celestial desde em cima,
e um pássaro te canta uns compassos
para que esqueças. Obrigada… Ah, um encargo:
se ele ligar pelo telefone novamente,
fala que não insista, que eu saí.

Um monumento a Alfonsina foi erguido em frente à praia onde “disposta a tudo” desafiou o mar. A homenagem musical lhe foi rendida pelos poetas também argentinos Ariel Ramírez e Félix Luna, com a música “Alfonsina y el mar” que foi gravada por dezenas de cantores, entre os quais os chilenos Violeta Parra e Lucho Gatica, a argentina Mercedes Sosa, os espanhóis José Carreras, Passión Veja e Paloma San Basílio, e ainda a grega Nana Mouskouri. A letra dialoga com o poema “Voy a dormir”. Muitos dizem que raramente letra e música se entrelaçam de forma tão perfeita.

Alfonsina y el mar
Ariel Ramírez e Félix Luna

Pela areia macia
que lambe o mar
suas pequenas pegadas
não voltam mais.
Uma trilha só
de dor e silêncio chegou
até a água profunda…
uma trilha só
de dores mudas chegou
até a espuma.

Sabe Deus que angústia
te acompanhou,
que dores velhas
calaram tua voz.
Para a fazer querer se encostar
no canto sussurrado
dos caracóis marinhos,
a canção que canta
no fundo escuro do mar,
o caracol.

Você foi embora, Alfonsina,
com a sua solidão,
que poemas novos
você foi buscar?
Uma voz antiga
de vento e de sal
balança a alma,
e a está levando…
e você vai pra lá,
como nos sonhos,
adormecida, Alfonsina,
vestida de mar.

Cinco pequenas sereias
te levarão
por caminhos de algas
e de corais,
e fosforescentes
cavalos marinhos farão
uma escolta a teu lado…
e os habitantes
da água vão brincar…
bem ao seu lado.

Abaixe a luz da lâmpada
um pouco mais,
me deixe dormir,
minha ama-de-leite, em paz.
E se me chamarem,
não diga nunca que estou,
diga que eu já fui embora.

Você vai embora, Alfonsina,
com a sua solidão,
que poemas novos
você foi buscar?
Uma voz antiga
de vento e de sal
balança a alma,
e a está levando…
e você vai pra lá
como nos sonhos,
adormecida, Alfonsina,
vestida de mar!

Ouça “Alfonsina y el mar”, na voz de Mercedes Sosa:

Comentários
  • Camila – Itabirito – MG 5623 dias atrás

    Gostei de ouvir o clip de “Alfonsina y el mar” e lendo a letra em português. Essa á a maneira mais agradável, na minha opinião para aprender lingua. Não sei porque os cursos de lingua não exploram melhor essa forma, que une o útil e o agradável, a recreação e o estudo.

  • Walter – Nova Lima – MG 5624 dias atrás

    Me parece que a autora sutilmente quis fazer uma homenagem às vítimas do vôo 447 da Air France.
    Mais ou menos 170 dessas vítimas ficarão sepultadas no mar. É uma dor e uma angústia a mais para as famílias que não lhes poderão dar uma sepultura.

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