Permita-me compartilhar com você, caro leitor, esta reflexão a partir de minha experiência vivida no ministério sacerdotal. Chego aos 50 anos de minha existência, 20 anos dedicados à Igreja. A experiência de vida sacerdotal foi marcante em minha vida existencial. Depois dessas duas décadas de ministério chego à conclusão que exercê-lo na vocação recebida de Deus é a maior graça que o Senhor da Vida possibilita a um Ser em sua fragilidade humana. Também chego à conclusão que, mesmo em meio aos desafios, intempéries e crises da vida, em minha condição de ministro ordenado, não posso prescindir do dever de ser cada vez mais modelo de uma vida casta em busca da santidade, a exemplo do Mestre dos mestres. Chego à conclusão que, em hipótese alguma tenho o direito de decepcionar o povo que a mim foi confiado no cuidado pastoral, seja no sentido moral na igreja e na sociedade, seja pelo compromisso de fidelidade ao meu ministério e ao Evangelho de Jesus Ressuscitado.
Em minha vida sacerdotal sempre procurei fazer o melhor com consciência de minhas imperfeições e limitações. Embora nem sempre concordando com todas as normas e regras do magistério da igreja, sempre procurei ser respeitoso e fiel às suas exigências, principalmente no que diz respeito à vida disciplinar celibatária. Nestes anos de vivência sacerdotal muitas foram as crises, muitas foram as críticas recebidas, muitos foram os desafios enfrentados, mas também foram muitas as alegrias no trabalho realizado. Foram muitos os sacramentos celebrados, muitos casamentos ministrados, vi muitas famílias se unirem, crescerem, desenvolverem, sacramentalizar a vida numa profunda relação de amor. Assisti muitos casais serem felizes, abençoados no amor e na fidelidade. O testemunho desses casais me faz crer que a vida vivida no matrimonio, no amor e na fidelidade é tão sagrada, quanto a vida no exercício do ministério sacerdotal, que só terá sentido se também for vivida no amor e na fidelidade. Mas também tenho questionado: porque muitos de nós padres somos contraditórios em nossa vocação? Porque muitos Seres ordenados vivem na infidelidade moral e evangélica, quando deveriam ser exemplo e modelo de amor e fidelidade? Qual o pecado que pesa mais, o da infidelidade no comportamento moral ou a infidelidade no seguimento e testemunho evangélico? E quando não têm amor pelo compromisso assumido? Porque muitos perdem o entusiasmo e a alegria festiva do dia da ordenação? Porque o ministério muitas vezes se torna uma obrigação? Porque o Ser ordenado padre não pode também viver a vida, realizado e feliz no exercício do seu ministério de forma conjugal, se esta for também a sua vocação? Quero apenas abrir espaço para reflexão séria e responsável a respeito da opção de escolha livre para os ministros ordenados. O que passarei a defender neste artigo é o celibato como opção de vida. Defendo a idéia que vocação celibatária e vocação sacerdotal são chamados distintos para o exercício do ministério. Com isso quero refletir a respeito da urgente necessidade de discutir em nível do magistério da igreja a problemática da crise do celibato e a sua ligação com a vocação sacerdotal. Estou sugerindo o diálogo ao invés da repressão às novas idéias que surgem no decorrer dos tempos e da história da nossa Igreja. Para exemplificar vejamos alguns fatos reais: muito recentemente, D. William Morris buscava soluções para equilibrar a balança entre o déficit de vocações e as grandes dimensões geográficas e populacionais de sua diocese, na Áustria. Foi removido pelo Vaticano por defender saídas consideradas extremas, como a ordenação de mulheres e de homens casados, e ainda, quem não se lembra da censura sofrida pelo frei Leonardo Boff, proibido de escrever e palestrar, sendo conduzido a uma renúncia do seu estado religioso, rebaixado ao estado laico, única alternativa que lhe foi deixada, penalidade sofrida por defender posições teológicas inovadoras na Igreja, entre elas a defesa da visão do celibato como carisma. Em 2009, Luis Albuquerque Couto, sacerdote e deputado federal no Estado da Paraíba, em nosso país, foi suspenso de suas atividades sacerdotais devido a uma entrevista publicada na revista eletrônica Congresso em Foco, onde o sacerdote, entre outros assuntos, declarou: “o celibato é um valor na vida da igreja. Muitos celibatários vivem uma vida exemplar e inspiradora. Portanto não é o celibato que questiono, mas sua obrigatoriedade. Quando o celibato é imposto e obrigado, pode trazer sofrimentos humanos desnecessários. O celibato aceito como carisma é abençoado e o celibato obrigatório e imposto pode se tornar um martírio silencioso”. Neste sentido é que afirmo em minha convicção que o celibato também é uma vocação. O apóstolo Paulo nos ensina: “o celibato é um dom de Deus, uma vocação, que não é para todos (…)”. Durante séculos no decorrer da historia da Igreja, o celibato sempre foi imposto como única condição para o exercício do ministério sacerdotal. Muitos de nós padres diocesanos somos vocacionados ao ministério sacerdotal, mas não necessariamente a uma vida celibatária. Os exemplos no decorrer da história nos mostram que, realmente quando o celibato é imposto e obrigatório, pode trazer sofrimentos internos desnecessários. Quantos viveram ou vivem esta angústia em sua vida sacerdotal? O celibato obrigatório e imposto nem sempre traz a plena felicidade prometida pelo Criador a todas as suas criaturas.
Não creio que o fim da vida celibatária traria o fim de todos os problemas relacionados à afetividade humana por aqueles que o vivem. Não é esta a questão. Mas penso que a escolha opcional, traria maior liberdade e coerência ao ministro escolhido por Deus, consagrado para o anúncio da boa nova de Jesus. Neste sentido quero comungar com as idéias de alguns bispos brasileiros, que não escondem o anseio de ver um dia padres casados ou padres de família ao lado de padres celibatários exercendo o ministério por vocação. O que não garante que a Igreja estará imune de fraquezas, vacilações, pecados e até mesmo escândalos. Mas poderíamos ter certeza que o ministério sacerdotal e o celibato seriam exercidos por opção, cada membro do corpo eclesiástico poderia viver coerentemente realizando suas vocações, comprometido com a causa do Reino de Deus e com uma Igreja fraterna e solidária. Defendo a escolha livre do celibato e não sua imposição! Se a escolha for celibatária, defendo a idéia que o padre seja autêntico na vivência de seu voto, não com vida dupla, mas vivendo-o com alegria, sem precisar sublimar todas as suas frustrações no alcoolismo, no homossexualismo, no pedofilismo, no hiper-ativismo, ou nas neuroses de uma vida amarga e gananciosa, muitas vezes rancorosa, pois como diz o apóstolo Paulo, na “Primeira Carta aos Coríntios”: “se não podem guardar a continência, casem-se, pois é melhor casar-se do que abrasar” (cap. 7,9). Terá valor mais exemplar um padre casado coerente com a sua vocação, que padres “celibatários” solteirões, que não assumem o seu compromisso como Ser celibatário e vivem uma vida de infidelidade, por lhes faltar estrutura psico-afetiva, levando uma vida muitas vezes marcada pelo desequilíbrio emocional, que poderá por em perigo as filhas e os filhos de tantas familias de fiéis que sempre acreditaram na fidelidade e santidade do homem celibatário. Neste sentido, o grande profeta da humanidade, Dom Hélder Câmara, certo dia rezou assim: “tenho dito a São Pedro que sonho com uma Igreja em que o celibato seja facultativo para os sacerdotes e as mulheres possam celebrar missa. Uma Igreja livre das amarras do capitalismo, e na qual os oprimidos sintam-se em casa, alentados na busca de justiça e paz e de um estado de vida que seja o reflexo da vida do evangelho”.
Finalmente, caro leitor, dizia ainda Raul Seixas, o poeta das profecias, “sonho que se sonha sozinho não passa de um sonho, mas quando a gente sonha junto é a realidade que começa”. Que Deus ilumine a Igreja para que ela reflita com a devida profundidade o assunto. Reafirmo aqui o meu compromisso como cristão, como sacerdote e como celibatário em viver a minha vocação buscando sempre a perfeição a cada dia em meio aos desafios do ministério sacerdotal do mundo contemporâneo. Uma coisa é certa, jamais abandonarei a fé, a luta e os ideais pelos quais sempre lutei! Continuarei sempre a defender minhas convicções teológicas numa perspectiva libertadora, em defesa da vida, por dignidade e justiça social. “Você é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec”, Salmos, 110.4; Hebreus, 5.6 e 7.17.
Comentários
Parabens pelo artigo e testemunho!
Caro Dom Rosalvo,
Muito obrigado meu irmão Bispo! Quanta alegria ao saber de vossa nomeação. Que o Senhor Nosso Deus ilumine a vossa trajetoria no episcopado! Grande Abraços.
Pe. João Delço…
Gostei do artigo e da coragem do padre joão Delco em tratar este assunto polêmico.
Caro Irmão Pe. Gabriel,
Com meus cumprimentos, meus sinceros agradecimentos pelos comentários neste espaço e email e meus sinceros votos de muito sucesso na corrida eleitoral à prefeitura de Santa Isabel-SP. Grande Abraço.
Pe. João Delço