José e Pilar

Publicado por Sebastião Verly 23 de dezembro de 2010


Dentro de meus preconceitos e discriminações sempre divido o mundo entre “meus amigos e os outros”. Os “outros” são vulgares, alienados, pobres de espírito e levianos. Nós, eu e meus amigos reais e virtuais, somos pessoas que pensam com a própria cabeça e aprendem com os sábios, filósofos, cientistas e conhecedores.

Mais uma vez estou aqui para explicitar essa divisão.

Ontem, atendendo ao amável convite – quase intimação – desta mulher que está me trazendo de novo para a vida, esse amor de décadas e que deverá permanecer para a eternidade (menos,  meu caro!), enfim, fui ver o filme “Pilar e José”.

Que momentos de vida mais intensos! Ri e chorei como nunca. A película, nem sei se ainda é película, e não vejo ninguém mais usar essa palavra, é uma genialidade. Não dá para distinguir o que realmente é “filmagem” e o que são gravações “ao vivo”na vida daqueles dois. Os cortes e sequências são criações para mentes privilegiadas. Há cenas, tão simples, quanto aquela, por exemplo, em que Saramago homenageia o cantor sobrinho do Zeca Afonso que é impagável.

O que fica de mais belo é a força do amor. O amor aparece em pequenos e nos grandes detalhes. A relação de Saramago e sua bela mulher Pilar com o seu país de origem chega a fazer a gente tomar partido ao seu lado. E quando o Presidente de Portugal faz-lhe honras e elogios, quem não haveria de chorar.

A simplicidade do “Mestre” é coisa inacreditável. Sua linguagem é acessível a todas as pessoas deste mundo. Sua amabilidade com todas as pessoas é coisa para se imitar em todas as nossas relações. Era um homem como poucos. Demonstrava sua superioridade ao dar-se o direito de ser simples, humano.

Sua recuperação de saúde, movida também pela força de vontade para escrever a parte maior da “Viagem do Elefante”, eu nem deveria mencionar aqui. É o maior suspense que já vivi no cinema.

As centenas de lições, inclusive a amável firmeza de não escrever dedicatórias pedidas em livros autografados, muito bem explicada e justificada várias vezes pelo autor, nos mostra como um ateu e comunista pode ser muito melhor do que muita gente que anda com terços envoltos nas mãos e ajoelha-lhe diante de qualquer quadro ou escultura que se diz milagrosa.

Não vou entrar em detalhes, porque é justamente aí que vamos aprender com essa maravilhosa lição que vale por muitos cursos de filosofia e ciências humanas, dos melhores, bem acima dessa caricatura de ensino que as escolas particulares andam oferecendo. Dou exemplo: a moça forma em curso superior de filosofia pura e nunca ouviu ou leu a palavra tergiversar. Pode?

Não pode e eu já ia tergiversando.

O filme toca nossos sentimentos e nos leva a uma camada superior. Saí do cinema com a emoção a flor da pele.

E ainda tive tempo de perguntar: porque o cinema estava vazio? Havia apenas oito pessoas.

Disse-me o gentil porteiro que é sempre assim. Enquanto isso as historinhas imbecis daquele aventureirozinho idiota, tem suas salas de exibição lotadas.

E mais uma vez, divido o mundo: os que vão ao cinema para agregar conhecimentos e consolidar a cultura humanista e profunda e os que buscam consolidar a alienação e a vida insossa e mecânica que o sistema lhes impõe.

Nós estamos no lado certo, absolutamente, ao lado dos pensadores e sábios.   Deixemos os outros seguirem seus caminhos e crendices tolas, conduzidos como gado pelo marketing do capitalismo consumista.

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