Ilustração Benício Cunha
A moça assentada no ponto do ônibus
na manhã de uma segunda-feira qualquer
Arco de lua crescente no meio dos edifícios
Um ponto de interrogação
ao final da frase que se supunha
viria com promessas certas
A mão que se antecipa
mostra-se em oferenda
O jardim – a igreja tendo ao fundo o céu
que foge rumo a meteoros que fogem
para os confins do universo
num quadro de Van Gogh.
Contra o muro a cena de um gato a correr
frases escritas no muro
a esquina – e depois da esquina
a largura da rua sem calçamento
que abraça a avenida logo acima.
No mormaço da tarde as mangas amadurecem
mamonas espocam de tempo em tempo sob o sol abrasante
um menino brinca sob a sombra da mangueira
pequenos tocos, mangas caídas virando boizinhos
(as pernas são gravetos)
a fofa e fria terra de onde às vezes
salta irrequieta minhoca
Um jato desliza contra a piscina da curvatura celeste
deixando atrás o rastro de fumaça longilíneo
Urubus deslizam em círculos majestosos
As folhas de bananeiras farfalham
longe o milharal mistura verdes e marrons
No dia seguinte de novo na janela
a oculta sombra de quando ali esteve
ao fundo o espelho refletindo nuvens em fuga
navegando na fervura de um meio-dia
A beleza de um dorso, um quadril, um ventre
o rio que segue esculpindo suas margens
das quais não pode escapar
O gesto de contornar os ombros
e o levar – qual a um menino perdido – ao bosque
à beira do riacho, onde sobre as gramíneas
se desvenda o corpo que o sonho antes desvendara
No silencio da noite o reflexo de um anúncio
que num acende-apaga destaca o nome do produto
embaixo no prédio sombras de pessoas que passam
na televisão sem som o repórter mostra a notícia
de uma paisagem que a prolongada seca
calcina gradual e inexoravelmente.
Um telefone toca na noite, insistentemente
a sirene, o latido de cachorro ao longe
uma criança chorando na moradia ao lado
um céu turvo, sem estrelas
o sono que não vem, o estalido no telhado
a folhinha na parede, imagem de garota
a incerteza – mesmo assim – de que dia é hoje
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