Catador de imagens

Publicado por Antonio Ângelo 18 de março de 2025
Ilustração Catador de Imagens

Ilustração Catador de Imagens

Ilustração Benício Cunha

 

A moça assentada no ponto do ônibus

na manhã de uma segunda-feira qualquer

Arco de lua crescente no meio dos edifícios

Um ponto de interrogação

ao final da frase que se supunha

viria com promessas certas

 

A mão que se antecipa

mostra-se em oferenda

O jardim – a igreja tendo ao fundo o céu

que foge rumo a meteoros que fogem

para os confins do universo

num quadro de Van Gogh.

 

Contra o muro a cena de um gato a correr

frases escritas no muro

a esquina – e depois da esquina

a largura da rua sem calçamento

que abraça a avenida logo acima.

 

No mormaço da tarde as mangas amadurecem

mamonas espocam de tempo em tempo sob o sol abrasante

um menino brinca sob a sombra da mangueira

pequenos tocos, mangas caídas virando boizinhos

(as pernas são gravetos)

a fofa e fria terra de onde às vezes

salta irrequieta minhoca

 

Um jato desliza contra a piscina da curvatura celeste

deixando atrás o rastro de fumaça longilíneo

Urubus deslizam em círculos majestosos

As folhas de bananeiras farfalham

longe o milharal mistura verdes e marrons

 

No dia seguinte de novo na janela

a oculta sombra de quando ali esteve

ao fundo o espelho refletindo nuvens em fuga

navegando na fervura de um meio-dia

 

A beleza de um dorso, um quadril, um ventre

o rio que segue esculpindo suas margens

das quais não pode escapar

O gesto de contornar os ombros

e o levar – qual a um menino perdido – ao bosque

à beira do riacho, onde sobre as gramíneas

se desvenda  o corpo que o sonho antes desvendara

 

No silencio da noite o reflexo de um anúncio

que num acende-apaga destaca o nome do produto

embaixo no prédio sombras de pessoas que passam

na televisão sem som o repórter mostra a notícia

de uma paisagem que a prolongada seca

calcina gradual e inexoravelmente.

 

Um telefone toca na noite, insistentemente

a sirene, o latido de cachorro ao longe

uma criança chorando na moradia ao lado

um céu turvo, sem estrelas

o sono que não vem, o estalido no telhado

a folhinha na parede, imagem de garota

a incerteza – mesmo assim – de que dia é hoje

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