No próximo ano, temos bons motivos para festejar. São os 50 anos do lançamento do LP “Um Certo Galileu”, do conhecido Pe. Zezinho (José Fernandes de Olivera, SCJ). Os jovens de hoje certamente não percebem a dimensão do acontecimento…
Em 1975, a música católica estava praticamente limitada aos muros do templo. Padres cantores ainda não eram conhecidos. Em sua saborosa autobiografia, bem trabalhada por Gabriel Chalita, o Pe. Jonas Abib chama a atenção do leitor para uma novidade: a introdução do violão na música católica, até então regida por normas bastante rígidas que aceitavam o órgão, o harmônio e instrumentos de sopro de madeira, como o clarinete, mas rejeitavam os sopros de metal e – nem pensar! – baterias e outros instrumentos rítmicos.
O mesmo Pe. Jonas lembra: “Naquele tempo começaram a gravar (naqueles discos de vinil) as Irmãs de Jesus Crucificado, religiosas com sede em Campinas, SP, mas espalhadas pelo Brasil inteiro. Elas formaram um grupo bom. Cantavam, tocavam, compunham. Gravaram um primeiro LP, onde está a canção Balada da Caridade, muito conhecida…”
Pois era uma absoluta novidade. Freiras formando uma banda musical. Eu mesmo estive presente a uma apresentação delas em Barra do Piraí, RJ, talvez em 1965. Uma delas tocava saxofone, outra, a bateria. E cantavam:
Para mim
A chuva no telhado
É cantiga de ninar…
Mas o pobre, meu irmão,
Para ele a chuva fria
Vai entrando em seu barraco
E faz lama pelo chão…
É verdade que havia um ou outro padre cantor pelo mundo afora, como Lucien (o jesuíta francês Aimé Duval, 1918-1984), cujas canções eu cantava no colégio interno, ainda nos anos 60:
Seigneur, mon ami,
tu m’a pris par la main…
j’irais d’un bon pas
sans effroi
jusqu’au bout du chemin…
Mas eram raridades. Lugar de padre era na sacristia!
Pe. Jonas conta que Pe. Zezinho compareceu a um dos encontros de jovens (Emaús) que ele animava e gostou muito do clima e da música. “Na época, o Zezinho era um padre bem novo, nem era conhecido ainda pelas músicas. Tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, uns dois ou três anos. Lembro-me de que, ao final do Encontro, ele disse: “Encontrei aqui minha vocação com a juventude…”
Pois, bendita vocação! A obra musical do Pe. Zezinho, em qualidade e quantidade, encontrou no público jovem um terreno generoso. Era impossível reunir uma turma de jovens sem cantar as composições dele. Quando eu voltei para a Igreja, em 1979, após 12 anos de afastamento, cantávamos o repertório do LP “Verdades”, entre outras aquela canção jocosa que pregava:
Feliz e bem-aventurado
quem não ouve os palpites errados…
A música do Pe. Zezinho foi amadurecendo e se tornou cada vez mais concreta, realista, vital. Ele cantou a família, os vizinhos, a gravidez, o casamento, a aproximação ecumênica. Não teve medo de denunciar os erros de uma sociedade que se paganizava. Como na conhecida “Utopia”
E há tantos filhos
Que bem mais do que um palácio
Gostariam de um abraço
E do carinho entre seus pais
Se os pais se amassem
O divórcio não viria
Chamam a isso de utopia
Eu a isso chamo paz…
As composições do Pe. Zezinho têm métrica, ritmo e rima. Ou seja, elas se inserem na tradição musical brasileira, respeitando nossa índole e nossa cultura. Ali eu vejo a toada mineira, o baião, a marchinha, a canção e outros gêneros com alma nacional. Bem diferente da nefasta invasão do gospel de má qualidade que estamos vendo em muitas missas na TV. Salmistas miando, tonalidades fora do alcance do povo, abuso de melismas – enfim, um grande esforço para não deixar a assembleia cantar!
Nós damos graças a Deus pela obra do Pe. Zezinho. Ele pôs à nossa disposição um espécie de “método” musical. Siga quem quiser. O povo agradece e canta com ele.
Mas Deus e a Igreja merecem instrumentistas e cantores que se apresentem para servir, sem fumacinhas artificiais, luzes fulgurantes, requebros e macaquices no palco.
Hoje, idade avançada, Pe. Zezinho tem sua atividade seriamente limitada. Mas está animado com a reunião de muitos artistas para a regravação de “Um Certo Galileu”. Talvez ele não possa cantar como antes, mas, como disse o poeta:
Sabiás ainda são sabiás mesmo quando cantam…
Águias feridas ainda são águias, eu sei que elas são…