Quem frequenta, ou melhor, navega…, as redes sociais, logo percebe manifestações “contra” alguém ou alguma coisa. À primeira vista, pode parecer espírito crítico, tão elogiado em tempos libertários, mas no fundo é outra coisa: são comportamentos reacionários que deixam transpirar sentimentos de inquietação, inconformismo, insegurança, desagrado, antipatia e… vamos ao ponto: sentimentos de ódio!
Não importa tanto o conteúdo das manifestações, condenar palmas na missa, exigir batina nos padres, xingar os defensores do aborto legal, apontar tatuagens como manifestação demoníaca, zombar do bolsonarista, ameaçar o petista com o fogo do inferno…, o que chama a atenção são os traços comuns na maioria dessas postagens. Em primeiríssimo lugar, o fantasma do medo.
O fato é que a sociedade está em permanente transformação. Algumas mudanças são para melhor, como a água tratada, encanada, substituindo as idas à bica, ao chafariz ou à cisterna do quintal. Outras são para pior, como o abandono da horta caseira em favor dos vegetais da feira, tratados com produtos cancerígenos.
Diante das mudanças, o realista adota uma dose de estoicismo e segue em frente. O progressista joga perdas e ganhos na balança, e considera que o saldo é positivo. Já o conservador, infeliz, sente-se ameaçado pessoalmente e resolve atacar. Não é coragem. É medo.
Ora, não é pecado sentir medo. Mas o medo pode induzir ao erro. Nos Estados Unidos, quando a população católica começou a crescer e a Igreja ia-se tornando cada vez mais influente, graças a uma rede de escolas paroquiais abertas aos pobres, às numerosas freiras dedicadas aos orfanatos, asilos e hospitais, alguns grupos sectários anticatólicos começaram a se organizar para “defender a América”. Foi o caso da APA – American Protective Association, da POAU – Protestants and Other Americans United for Separation of Church and State e, claro, da KKK – a famigerada Ku-Klux-Klan.
No lado católico, o risco era igual. Quando os católicos norte-americanos aumentaram sua participação na vida social e política, chegariam a ter um candidato eleito como presidente!, alguns bispos americanos se manifestaram contra a presença e a participação dos fiéis nos sindicatos de trabalhadores, devido ao perigo comunista. E foi exatamente a presença católica que evitou comportamentos de violência nesses sindicatos, como iria reconhecer mais tarde uma de suas lideranças não católicas.
Que é que os movia? O medo e, seu subproduto, o ódio. Os reacionários têm dificuldade em acolher o estrangeiro, o imigrante, o diferente, aquele que não fala o seu idioma. Basta dizer que, ali mesmo nos Estados Unidos, os imigrantes de origem germânica se sentiam em segundo plano, no seio da Igreja católica, em relação à maioria de fiéis de origem ou ascendência irlandesa.
Ainda hoje, quando um Papa convida para uma jornada de oração em Assis, Itália, lideranças de diferentes denominações religiosas, muitos católicos têm soluços, arrepios e erisipelas diante dessa “mistura” com pagãos, citando capítulos do Syllabus de Pio IX e acusando o sumo pontífice de heresia. Sei que não se deve “usar” as Sagradas Escrituras como argumento em favor de nossas próprias ideias, mas peço licença para lembrar que a lição de Jesus exclui o comportamento reacionário: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau…” (Mt 5,39.) Pessoalmente, entendo que isto inclui os papas, mesmo quando divergimos deles…
O comportamento pouco racional de certa ala conservadora chega ao ponto de tentar pressionar a Santa Sé para impedir a canonização de um santo cujo modelo de vida cristã não se enquadra em sua visão do cristianismo. É curioso, e lamentável, que membros de uma Igreja cristã utilizem permanentemente a tática de acusar, denunciar e depreciar publicamente outros cristãos que fogem ao seu próprio modelo.
Ora, o Espírito Santo é multiforme. Manifesta-se diferente de tempos em tempos, de lugar para lugar. Não podemos impor um uniforme à vida cristã. Essa insistência em mudar os outros por métodos de pressão trai, sem dúvida, certa descrença na ação da Graça Divina, como se tudo dependesse de mangas arregaçadas, e não dos desígnios de Deus.
O conservador radical prefere o isolacionismo à abertura. Recusa a aproximação e a participação. Ele se aferra a certos ritos, certas formas de agir e celebrar, e não hesita em partir para ataques pessoais contra quem pensa diferente. Em sua reação de defesa, o conservador defende a formação de guetos, o que nas redes sociais significa praticamente “cancelar” o diferente.
É natural que todos nós temos direito a adotar princípios, defender valores e nos manter firmes nos dogmas da própria fé. Mas isso não nos dá o direito de demonizar, agredir e difamar quem pensa diferente. Passou o tempo das fogueiras.
Os profissionais do campo psicológico teriam muito a acrescentar à minha reflexão. Eles conhecem muito bem esse “gigante da alma” – como diria o psicólogo cubano Mira y López – que é o sentimento do medo.
Em tempo: ser cubano não quer dizer que ele fosse comunista. Cuidado com o medo dos comunistas…