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A Sagrada Escritura parece um desfile de modas. São mantos e franjas, túnicas e cinturões, efods, ombreiras e peitorais. O primeiro estilista foi o próprio Criador, que preparou roupas de pele e vestiu pessoalmente a nudez do primeiro casal. (Gn 3,21)
Esta primeira veste, sinal da divina misericórdia, iria inspirar o cinturão de couro dos profetas, desde Elias até João Batista. Aliás, no momento em que Elias era arrebatado aos céus, foi exatamente o seu manto, recuperado por Eliseu, que garantiu ao discípulo os poderes especiais de seu mestre. Com este manto, ele dividiu as águas do Rio Jordão… (2Rs 2,14)
Mas desfilam outras peças do humano vestuário carregadas de significado e de consequências. Que tal a túnica de mangas longas, toda enfeitada, que Jacó deu de presente a José, o caçula preferido, capaz de motivar o ciúme, a inveja e o ódio mortal dos demais irmãos? (Gn 37,3.) O mesmo José desfilaria em seguidos palcos, vestido de escravo ou com o uniforme de doméstico, que ele deixou nas mãos da patroa sensual, as roupas de prisioneiro e, afinal, a estola régia de vice-rei do Egito.
Davi, fugitivo da perseguição de Saul, aproxima-se furtivamente do rei, no interior da gruta de Engadi, e corta com a espada uma ponta do manto real. (1Sm 24,5b.) E quando Davi, vitorioso na batalha, dançava diante da Arca do Senhor vestido com um leve efod de linho, sua esposa Micol não gostou de vê-lo expor suas partes em público e o chamou de palhaço (2Sm 6,20). Perdeu a pose e o marido.
No Calvário, ao pé da cruz, o centurião com sua couraça romana terá assistido seus quatro soldados lançando os dados para sortearem a roupa do condenado, a túnica inconsútil que Maria havia tecido com suas mãos virginais.
Afinal, no Apocalipse, além da Mulher vestida de sol, o visionário João se interroga a respeito da multidão de mártires em vestes brancas, alvejadas no sangue do Cordeiro.
Mas existe outra peça de roupa que deveria atrair de modo especial a nossa atenção. Jesus de Nazaré narrou uma parábola sobre um pai que tinha dois filhos. Lê-se no Evangelho de Lucas, capítulo 15. O mais velho era sério, trabalhador, carregava nas costas a fazendinha do velho pai. O mais novo era um estroina, eu sei que ninguém mais usa este adjetivo, digamos então que o caçula preferia festas e sapato macio. O mais moço cobrou do pai vivo a sua parte na herança. Pegou os cobres, juntou a matula e picou a mula para bem longe.
O dinheiro acabou, os amigos sumiram, e o fujão foi cuidar dos porcos. Sujo e faminto, percebe a besteira que tinha feito e resolve voltar para casa com um discurso ensaiado: “Pai, eu pequei. Não precisa mais me tratar como filho. Pode me tratar como empregado. Tendo pão e um cantinho para dormir, está bom para mim”.
Para espanto de todos – e a revolta do irmão honesto! – o pai corre em sua direção, beija-o e dá uma ordem chocante:
– “Tragam logo a melhor túnica para vestir meu filho!”
O novilho assado, a música e a festa são detalhes secundários.
A história se repetia. Um pai não queria ver o seu filho nu. E Gênesis renasce no Evangelho. Para o filho – pecador? Por isso mesmo! – o Pai tem sempre a melhor túnica…