No século passado, até os anos 50, o Brasil era muito mais francês do que ianque. O inglês invasor só aparecia nos filmes de cowboy e no fox-trot da Rádio Nacional. Quem reinava era o francês…
Em casa, os móveis eram franceses: o buffet, o canapé e o divan davam ao lar um clima très chic, protegidos pelo brise-soleil. O patrão escrevia no seu bureau, vovó se esticava na chaise-longe ou na bergère. A prata de Christophe ficava sobre a étagère, ao lado da bonbonnière, para dar inveja às visitas.
Em seu boudoir, vestindo o pegnoir e os soutiens de seda, a dona da casa fazia a toilette à luz do abat-jour, passava um pouco de rouge e vestia a camisola beige de organdi. O dernier cri da época era o bidet, que as visitas iam admirar no banheiro.
No frio, mamãe vestia seu manteau sobre a saia godé, sem esquecer as soquettes de lã. Os homens usavam cache-nez, as mulheres, cache-col. Eu gostava de ver as roupas de mousseline, as blouses de rayon e, às vezes, os culottes plissés. Quantas vezes eu brinquei com os biscuits adquiridos no bric-à-brac sempre au bon marché!
Nas matinées ou nos vernissages, os cavalheiros ficavam elegantes de pince-nez, trajando um collet com fecho éclair. Em dia de avant-première, cheias de charme, as madames no teatro fingiam miopia com seu lorgnon, elogiando a mise-en-scène da troupe e os pot-pourris musicais da orquestra sob os aplausos da claque.
No salão, os homens bebiam champagne e uma taça de cognac; as mocinhas preferiam anisette; os rapazes, eau-de-vie. Os jovens de boa família evitavam o cabaret e o rendez-vous, mas podiam ocultar uma garçonnière.
Bom mesmo era fazer um pic-nic: ia-se ao parque de cabriolet, estendendo as corbeilles sobre lindos panneaux bordados à mão em ponto ajour. No Carnaval, até usei uma fantasia de Pierrot.
Na pracinha, as crianças brincavam de bilboquet ou de cache-cache. E ficavam felizes quando ganhavam um pacotinho de praliné ou uma sobremesa de crepe suzette. No restaurante, com sua fachada art-nouveau, o menu era sempre à la carte. Antes do hors d’oeuvre, servia-se um croissant para enganar o estômago.
Nas academias literárias, os doutores emplumados discutiam os panfletos de Voltaire e Diderot. todo poeta nascia gauche, mas as mocinhas preferiam os versos de Chateaubriand e as novelas de Madame Delly, com os volumes molhados de lágrimas salgadas.
Enfim, amigo leitor, não é blague: nós já fomos franceses…