XXXV – perdido en el camino

Publicado por Bill Braga 27 de enero de 2015

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22 de dezembro de 2012, no início daquela noite fomos a um bar. Fomos avisados que não deveríamos tomar álcool antes da cerimônia, mas achei que só um pouco não poderia fazer mal. Fomos a um bar na praça central de São Thomé das Letras, onde uma banda tocava alguns clássicos do rock. Cenário ideal. Já não me preocupava com minha família ou com Natália, estava totalmente imerso naquele momento. Naquele bar pude sentir como a presença de Daniela era magnética e atraía outras pessoas. Estávamos sentados em nossa mesa, quando um artesão, hippie, chegou para conversar com ela. O cara me parecia estar muito chapado, mas ficou a rodeando, e eu não quis interferir, deixei-os conversar, embora confesso que estava curioso sobre o assunto. No final parece que ele deu um presente a ela, me cumprimentou e se afastou. Ela comentou que de alguma forma sempre conseguia o que queria, e que iria me ensinar isso. Que eu conseguiria tudo o que queria, numa fala em que ela me pareceu um pouco uma daquelas antigas feiticeiras.

Ficamos pouco tempo no bar, e fomos tentar achar o local onde seria realizada a cerimônia com a misteriosa bebida aiauasca, que eu finalmente iria conhecer. Céu de São Thomé, era o nome do local, tínhamos pegado indicações para chegar. Fizemos o caminho todo certo, entramos em um sítio, mas pela estrada ruim achamos que não seria. Saímos, perguntamos a uma senhora de uma casa ao lado e ela nos disse que era ali mesmo. Voltamos a entrar, pegamos outro caminho, também ruim, e chegamos… Na hora de parar senti que o carro tinha descido demais e provavelmente ficaria agarrado. Mas tínhamos chegado, depois daria um jeito no carro.

Mesmo chegando na hora marcada, vi que chegamos cedo. Apenas duas pessoas estavam sentadas em volta de uma fogueira. Nos assentamos ali. Conversamos um pouco com os dois sobre o trabalho, é assim que é chamado por quem participa desse tipo de cerimônia. Um deles, o Ramon, um negro alto que parecia saber muito bem lidar com o fogo, disse que já havia tido um trabalho no dia anterior, o 21-12-2012, dia do realinhamento cósmico. O outro, que não me lembro o nome, falava das proezas que já viu pessoas realizar após trabalhos xamânicos como esse, até mesmo andar sobre brasas quentes sem queimar o pé.

Deitei no colo de Daniela, ela fazendo cafuné nos meus cabelos, numa cena realmente linda. Quem quer que olhasse ali veria uma cena de amor genuíno. Ficamos assim um bom tempo, ouvindo as estórias e as gravações do Ramon do trabalho anterior, até que começaram a chegar outras pessoas, e num instante estava cheio o Céu de São Thomé, inclusive com a chegada do pajé e do cacique. Karol e Diego, da pousada que estava organizando, também tinham chegado. Em breve se iniciaria o trabalho e eu conheceria os poderes da madre aiauasca.

Logo de início percebi que não estava muito preparado, já que todos traziam cobertores, e eu e Daniela estavam apenas com a roupa do corpo, não preparados para tanto frio. Mas já não havia tempo de resolver isso, encararíamos como estávamos. Sentamo-nos juntos, do lado esquerdo de onde estavam os Katukinas. Um rapaz, com cara de sacerdote deu breves explicações sobre como seria a sequência do trabalho, que em breve se iniciaria.

O primeiro a beber a bebida marrom foi o pajé, parece que o cacique e a índia tomaram também. Não me lembro se as outras pessoas que estavam na organização do trabalho tomaram, sei que estava ansioso para chegar minha hora. Vi outras pessoas tomando e fazendo cara ruim. Realmente o aspecto da bebida parecia que não era uma delícia, bem pelo contrário. Chegou minha vez, tomei um copinho cheio, de uma vez, e realmente pude sentir o sabor amargo da bebida. Tomei e me assentei, esperando para ver se viria o efeito. Dani disse para me concentrar na cantoria indígena, que após a purificação, através do vomito, na maior parte dos casos, eu sentiria o efeito.

O canto era belo e profundo, com agudos marcantes, porém ainda não me dizia nada. Apenas admirava a beleza e me concentrava, aguardando algum efeito aparecer. Enquanto isso vi o Diego e uma outra moça aplicando algum tipo de coisa nas outras pessoas. Fiquei curioso, e a Daniela perguntou a ele o que era. Eram outras medicinas indígenas, o rapé e a sananga. Ambos também eram utilizados no ritual para purificar e ajudar abrir os chakras, centros energéticos humanos. Disse a ela que queria experimentar. O rapé é um pó, feito à base de tabaco e outras ervas, e estava sendo aplicado pelo Diego através de um artefato onde se coloca o pó, se insere uma ponta em uma narina da pessoa a receber, e a outra na boca do aplicador, que sopra, gerando uma pressão. Me preparei para receber, e de repente, zum!, aquele tiro de rapé entrou não só no meu nariz mas em toda a minha face. Depois do outro lado. Lacrimejei bastante e muita secreção foi liberada pelas narinas.

Agora era a vez da sananga. Esse é um liquido extraído de uma batata e que é pingado como colírio. Só que sua ação é tão forte que achamos que não vamos conseguir abrir mais os olhos. E assim foi, já tinha visto o que tinha ocorrido com a Dani, mas comigo foi a mesma coisa. Por uns bons minutos é impossível abrir os olhos, eles ardem. Aos poucos o ardor vai cessando e se consegue abrir. Segundo eles me contaram, a sananga tem o poder de auxiliar na abertura do chakra do terceiro olho, responsável pela intuição.

Passei por essas duas medicinas ainda sem sentir o efeito da aiauasca. Nesse momento, o que me parecia um sacerdote com sua barba longa e seu cetro com um cristal na ponta, disse como seriam feitos os atendimentos do pajé, por ordem de prioridade, que era para procurar por ele. Fiquei um tempo assistindo o primeiro atendimento, e logo depois o procurei. Ele perguntou qual havia sido o problema. Eu disse a ele que tinha tido hérnias na cervical, e que fora internado em hospitais psiquiátricos. Sobre as hérnias ele disse, que era uma questão de escolha, de qual lado seguir. Já sobre as internações não falou nada, e me encaminhou para o atendimento com o pajé.

Fiquei ali sentado esperando acabar um atendimento. Logo depois fui chamado. Tirei a camisa, e me deitei na frente daquele índio curandeiro. Uma auxiliar me perguntou o que tinha ocorrido, eu expliquei e ela passou as informações para o pajé. Ela me disse que ele iria investigar se tinha algum espírito ou algo no meu corpo que contribuíra para a situação. Pediu que eu me deitasse e o fiz. O pajé apalpou e escutou meu corpo. Em alguns locais vinha com a boca e dava como um chupão. Pediu que virasse de costas. Mesmo procedimento. Não foi rápido, mas no final, ele me disse, através da sua auxiliar que não havia nada, que estava tudo perfeito.

Tudo perfeito… Eu estava sem tomar remédios há um mês, parara escondido. E tudo estava perfeito, porque então eu fora internado, porque tantas coisas aconteceram? Não entendi. Mas disse isso para Daniela, ela gostou e sorriu, me dizendo algo, como, te disse, fica tranquilo. Nesse momento eu já estava ansioso para sentir os efeitos da aiauasca, estava achando que tinha algo errado comigo. Foi nessa hora que eles anunciaram uma segunda dose para quem quisesse tomar. Me animei, era a oportunidade de mergulhar na sabedoria da aiauasca. Fui até lá e tomei minha segunda dose. Voltei para a cerimônia, para a cantoria e me concentrei. Não demorou muito veio como uma rajada a vontade de vomitar. Fui conduzido pelo sacerdote, que enquanto eu vomitava, piscou o olho para mim. Quando retornei ele me disse uma frase enigmática, e me deixou: “para encontrar seu caminho é preciso deixar-se perder no caminho”.

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