Dizem que o mundo ficou triste. Se ficou, sei de um motivo: o circo acabou…
Na minha infância, o marasmo da cidadezinha do interior era subitamente transformado pela chegada do circo. Um carro de som atravessava as ruas empoeiradas, enquanto o palhaço regia o coral da molecada:
– Hoje tem goiabada?
– Tem sim, senhor!
– Hoje tem marmelada?
– Tem sim, senhor!
– E o palhaço, o que é?
– É ladrão de mulher!
* *
Em cada esquina, ouvia-se o aviso: “Grande Circo Furacão! Hoje à noite tem função! Mulher bonita não paga! Não percam!”
O circo era pequeno e pobre. A lona rasgada e queimada de sol. A mocinha equilibrista era mais gorda que o recomendável. Mas o palhaço nos fazia rir. Roupa colorida, a gola muito larga, os sapatos maiores que os pés, com sua cara cheia de tintas ele irradiava alegria por toda parte.
No picadeiro coberto de serragem, o palhaço cantava:
– Vou repartir um boi
para os amigos meus.
Vou repartir o pé,
pro seu Chico Tomé.
Vou repartir a mão
pro seu Chico Romão.
E o chã de dentro
é do compadre Zé do Bento.
E o chã de fora
é do compadre Zé da Hora.
E o corredor é do seu dotô
Pra repartir com o seu promotô.
E a rabada é da rapaziada,
pra repartir com a Sá Chica pelada.
E o chifre…
(Aqui, o palhaço fazia um corte, antes de prosseguir…)
E o chifre… é do tocador!
As palmas estalavam das bancadas de tábua nua. Um trio de músicos tocava uma velha mazurca. A tristeza fugia pra longe e o mundo inteiro sorria…
Criança pobre não tinha dinheiro, mas sempre conseguia entrar por baixo da lona. Uma vez, o filho do fazendeiro se apaixonou pela bailarina e fugiu com o circo. Outra vez, o delegado mandou prender o palhaço que tinha contado uma anedota considerada pesada demais para ouvidos provincianos.
* * *
O tempo passou. O leão ficou velho. O trapezista também. A televisão trouxe imagens mais refinadas e ninguém sairia de casa para ver aquele teatrinho mambembe. Mas na frente da telinha, nunca mais achamos aquela gargalhada que se perdeu no passado.
Perdemos o circo. Perdemos a infância…