O palhaço, o que é?

Publicado por Antonio Carlos Santini 11 de agosto de 2021

O palhaço

Dizem que o mundo ficou triste. Se ficou, sei de um motivo: o circo acabou…

Na minha infância, o marasmo da cidadezinha do interior era subitamente transformado pela chegada do circo. Um carro de som atravessava as ruas empoeiradas, enquanto o palhaço regia o coral da molecada:

– Hoje tem goiabada?

– Tem sim, senhor!

– Hoje tem marmelada?

– Tem sim, senhor!

– E o palhaço, o que é?

– É ladrão de mulher!

*   *

Em cada esquina, ouvia-se o aviso: “Grande Circo Furacão! Hoje à noite tem função! Mulher bonita não paga! Não percam!”

O circo era pequeno e pobre. A lona rasgada e queimada de sol. A mocinha equilibrista era mais gorda que o recomendável. Mas o palhaço nos fazia rir. Roupa colorida, a gola muito larga, os sapatos maiores que os pés, com sua cara cheia de tintas ele irradiava alegria por toda parte.

No picadeiro coberto de serragem, o palhaço cantava:

– Vou repartir um boi

para os amigos meus.

Vou repartir o pé,

pro seu Chico Tomé.

Vou repartir a mão

pro seu Chico Romão.

E o chã de dentro

é do compadre Zé do Bento.

E o chã de fora

é do compadre Zé da Hora.

E o corredor é do seu dotô

Pra repartir com o seu promotô.

E a rabada é da rapaziada,

pra repartir com a Sá Chica pelada.

E o chifre…

(Aqui, o palhaço fazia um corte, antes de prosseguir…)

E o chifre… é do tocador!

 

As palmas estalavam das bancadas de tábua nua. Um trio de músicos tocava uma velha mazurca. A tristeza fugia pra longe e o mundo inteiro sorria…

Criança pobre não tinha dinheiro, mas sempre conseguia entrar por baixo da lona. Uma vez, o filho do fazendeiro se apaixonou pela bailarina e fugiu com o circo. Outra vez, o delegado mandou prender o palhaço que tinha contado uma anedota considerada pesada demais para ouvidos provincianos.

*   *   *

O tempo passou. O leão ficou velho. O trapezista também. A televisão trouxe imagens mais refinadas e ninguém sairia de casa para ver aquele teatrinho mambembe. Mas na frente da telinha, nunca mais achamos aquela gargalhada que se perdeu no passado.

Perdemos o circo. Perdemos a infância…

 

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