Acabo de completar 77 anos. Por isso mesmo, o tema me interessa de perto…
Em uma sociedade de produção e consumo, cada vez mais selvagem na razão direta de seu progresso material, tudo é produzido em vista da rápida obsolescência, de modo a abrir espaço para novos produtos e agilizar a indústria e o comércio. Usar e descartar. Talvez reaproveitar parte do lixo…
É assim que os ossos dos animais acabam transformados em adubo, seu couro em sapatos, os chifres em berrantes. O sapato velho volta ao lixo.
Onde é que eu entro nesse jogo?
Certo economista diria que os velhos têm a pretensão de viver demais e acabam onerando o Estado. Acabam culpados pelo buraco da Previdência. Deviam desocupar o beco, como diria minha velha mãe.
Por falar em minha mãe, lembro-me dela já bem velhinha, com agulha e linha a cerzir o buraco de uma de minhas meias. “Remenda o pano, que dura um ano, Remenda outra vez, que dura mais um mês.”
E com isso tenho uma primeira resposta à pergunta do título: velho serve para cerzir meias velhas.
Lembro também da Tia Lili, quase cega, com seu crochê de pontos impecáveis. PhD em bordados, não dependia mais da visão para fazer um trabalho perfeito. O tato supria.
E vem a segunda resposta: velho serve para bordar.
O leitor deve conhecer alguma velhinha que toma conta dos netos para a mamãe sair e trabalhar. O leitor até pode ter sido o neto favorecido por esse mesmo anjo da guarda. Se foi, deve ter na memória afetiva aquele cheirinho de vó que nada neste mundo pode pagar.
Outra resposta? Velho serve para cuidar dos netos que o sistema capitalista expropriou das mães.
Lá em Araguaína, Tocantins, o velho padre não tinha mais saúde para reger a paróquia. Foi promovido a “penitenciário”: ficava todo o tempo à disposição para ouvir confissões.
Velho serve para isso: recolher nossos pecados e passar a borracha neles. A borracha da misericórdia divina.
O velho padre espanhol não tinha mais saúde para dirigir o colégio. Com isso, tinha tempo para atender aos casais do ECC que iam em busca de conselhos. A experiência acumulada naqueles cabelos brancos era um tesouro que a juventude ainda não garimpou.
Velho serve para aconselhar, discernir, separar joio do trigo, lançar luzes na escuridão.
Quem conheceu o Foyer de Charité, em Mendes, RJ, deve lembrar-se da Madô, membro da comunidade: já bem velhinha, visão e audição muito limitadas, a francesa que consagrou longos anos ao Brasil passava longas horas debulhando as contas de seu rosário. Aqueles dedos magros iam distribuindo graças e bênçãos por toda parte, traçando uma esteira de luz que envolvia a todos.
Velho serve para rezar. Velho tem tempo para a oração. Velho faz contato com o Eterno.
Então, senhor ministro, enquanto os velhos estiverem entre nós, minhas meias serão cerzidas. O crochê sairá perfeito. Os netinhos terão o lanche na hora certa. Os pecadores serão absolvidos. Os casais serão aconselhados. O céu ouvirá nossas orações.
E quando os ministros ficarem bem velhinhos, talvez se arrependam da própria insensatez…