Foto: acn.org
Domingo, 22 de março. Ruas vazias. Igrejas fechadas. A sociedade se defende diante da ameaça do vírus. Minha esposa e eu ligamos a TV na Rede Brasil, para acompanhar a transmissão da Santa Missa às 8 horas.
Na luminosa capela das aparições do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, Rio de Janeiro, celebra um sacerdote idoso, acompanhado apenas de acólitos e leitores. Os sólidos bancos de madeira sem encosto estão absolutamente vazios. A homilia será de excelente qualidade. A música, simples e sóbria. Mas não foi isso que chamou minha atenção…
Uma das câmeras que transmitiam o evento girou até a entrada da capela e mostrou: fora do templo, apoiado na grade externa, um casal acompanhava a celebração. Dois fiéis, impedidos de entrar no recinto sagrado, uniam-se ao rito da Igreja. Impressionante imagem de centenas, ou milhares, que à mesma hora entravam em comunhão com aquele pequeno grupo.
Logo me veio o pensamento de que aquela imagem era um retrato da Igreja. Os cristãos sempre conviveram com as grades. Pedro estava “in vinculis” quando o anjo do Senhor foi libertá-lo (cf. At 12,6ss). O bispo Van Thuan passou 13 anos nos cárceres comunistas. Cristãos engajados como Martin Luther King visitavam periodicamente as cadeias do sistema.
O que me chama a atenção é que as grades e as cercas de arame farpado não roubam a liberdade do cristão. O apóstolo Paulo, outro que viveu a mesma experiência, escrevia aos fiéis da Galácia: “É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão”. (Gl 5,1.)
Ora, não são algumas grades de metal que podem realmente ameaçar nossa liberdade profunda. São muitas as cadeias que nos impedem uma vida livre. Penso nas grades do egoísmo que repele o outro, da avareza que faz da acumulação de bens o alvo da existência, as barras da indiferença que se faz cega diante da dor alheia. Grades mortais. Malditas grades!
Veio o momento da consagração. Quando o sacerdote ergueu o Corpo e o Sangue do Senhor, a câmera girou rapidamente para o portão externo: lá estava, de joelhos na calçada, o casal em adoração…
Como não se comover diante da fé de nosso povo? Como não admirar essa moção interior que alenta o cristão desde Pentecostes, tornando-o imune ao ódio dos césares, à fúria dos bárbaros, aos tribunais soviéticos?
Bem nos assegurou o Senhor no Evangelho: “Não temais!” E ainda: “As portas do inferno não prevalecerão…” Muita areia rolou na ampulheta. Séculos viraram poeira. Mas a Igreja de Cristo permanece viva. Pode ser a capelinha das montanhas mineiras, pode ser o ciclópico santuário: sempre virá alguém – de um lado ou do outro das grades – para clamar: “Eu creio!”