Naquela manhã, logo que saiu de sua mansão nos Jardins,
Theodomiro C. Paranhos disse a seu motorista:
– Paulo, passe perto do Parque dos Ipês;
vi na televisão que estão carregados de flores.
À sua esquerda, na poltrona, largou a pasta, onde o motorista imaginava documentos secretos, e ficou a olhar através dos vidros
enquanto o carro deslizava pela avenida.
Quadras à frente, Paulo pode vê-lo a ler jornal do dia,
rotina no trajeto até o Centro onde – no antigo edifício de arquitetura clássica – o patrão presidia o conselho da empresa familiar em que filhos e agora alguns netos trabalhavam.
Passou pelo prédio da Fundação dos Industriais, pelo Museu das Causas Inatingíveis e pela Rua da Secessão,
quando desviou para avenida perpendicular com nome de político
há muito desvendado em crimes contra a economia popular,
descendo a seguir até a Ponte do Inaudito, atingindo a outra margem do Rio, finalmente entrando pela alameda interna do Parque em que os ipês decalcavam em amarelos e róseos o céu acinzentado.
Theodomiro mandou estacionar: ia descer para um breve espairecimento. Paulo com o olhar acompanhou-o a caminhar com leve claudicação, seguindo pelo caminho que ia dar no lago,
ladeado por prímulas, margaridas, antúrios e coroas de Cristo.
Àquela manhã fria, árvores e arbustos tinham contornos esmaecidos, envolvidos pela neblina que se imiscuía úmida em toda parte levando frio até a epiderme que vestimentas mal protegiam.
Tomou dos jornais onde pode ler as manchetes que alertavam:
Banco Central eleva juros, Congresso abrindo CPI, bolsas caindo, possibilidade de deposição de ministros, suspeições sobre desvios em tradicionais casas da área financeira.
O último ato do patrão que Paulo testemunhou à Polícia:
caminhando em passos lentos, o sobretudo escuro sobre os ombros, a bengala pontuando seu estalido no cascalho branco,
depois sumindo ao contornar o bosque alguns metros à frente.
Esperou por algum tempo, e como não houve retorno,
desceu da lustrosa Mercedes e foi procurá-lo.
Encontrou-o caído num recanto contornado por vegetação alta,
sangue escorrendo da fronte até o piso de pedras, os cabelos grisalhos revoltos.
– Foi o que vi, Senhor Delegado, o corpo estendido sobre o piso, chapéu e bengala largados no banco de madeira, o revólver de cano curto ainda preso à mão direita.
Não mencionou – e isto era para ficar ad aeternum consigo –
que pressupôs o que aconteceria quando pelo retrovisor percebeu – mesmo atrás dos óculos – sombras e desalento toldando o claro azul dos olhos de Theodomiro Costa Paranhos enquanto rumavam para o parque.
Comentários
Uma obra-prima, meu caro maestro! Sim, uma obra-prima feita a cinzel na contraluz da realidade, uma boa novidade, um sopro de vento em nossa alma de aprendizes. Um presente de Natal. Contrito, agradeço.