espelho partido ao meio
nele se enfrentam duplicados
ou abominável homem do trânsito
ou gentil herdeiro da civilização
que forçadamente coabitam
quase um metro e oitenta
de ossos duros de roer
e uma fronte reluzente
que já viu dia melhores
que oponentes se acomodam
entre tendões e músculos
avessos ao menor exercício
e um tórax introvertido
longe de causar qualquer inveja
a um aspirante a faquir
que deambulam sobre pernas
com pouquíssima flexibilidade
e só enxergam com o auxílio
luxuoso de um par de óculos
desde a primeira lembrança
que vêm se equilibrando
em uma coluna vertebral
desacostumada a se curvar
aos chefetes e à prepotência
e isso lhe custou demasiado
além das dores lombares
afinal para tudo há um preço
e viver é pagar o que se deve
uns mais outros menos
Comentários
Há que se pagar, caro poeta, o que sequer devemos. Para se viver é que somos feitos
E o nosso esqueleto, coitado, recebendo impactos que vêm de fora e as trepidações do coração velho de guerra, a insistir – em sua jornada sem glórias – contido entre as grades do peito.
Mas que suporte os solavancos, sem mágoas excessivas ou – menos ainda – infartos.