na manhã de uma segunda-feira qualquer
Arco de lua crescente no meio dos edifícios
Um ponto de interrogação
ao final da frase que se supunha
viria com promessas certas.
Mostra-se em oferenda
O jardim – a igreja tendo ao fundo o céu
que foge rumo a meteoros que fogem
para os confins do universo
num quadro de Van Gogh.
frases escritas no muro
a esquina – e depois da esquina
a largura da rua sem calçamento
que abraça a avenida logo acima.
mamonas espocam de tempo em tempo sob o sol abrasante
um menino brinca sob a sombra da mangueira
pequenos tocos, mangas caídas virando boizinhos
(as pernas são paus de fósforo)
a fofa e fria terra de onde às vezes
salta irrequieta minhoca
deixando atrás a nuvem longilínea
Urubus deslizam em círculos majestosos
As folhas de bananeiras farfalham
longe o milharal mistura verdes e marrons
a oculta sombra de quando ali esteve
ao fundo o espelho refletindo nuvens em fuga
navegando na fervura de um meio-dia
o rio que segue esculpindo suas margens
das quais não pode escapar
O gesto de lhe contornar os ombros
e o levar – qual a um menino perdido – ao bosque
à beira do riacho, onde sobre as gramíneas
se desvenda o corpo que o desejo antes desvendara
que num acende-apaga destaca o nome do produto
embaixo no prédio sombras de pessoas que passam
na televisão sem som o repórter mostra a notícia
de uma paisagem que a prolongada seca
extermina gradual e inexoravelmente.
a sirene, o latido de cachorro ao longe
uma criança chorando na moradia ao lado
um céu turvo, sem estrelas
o sono que não vem
a folhinha na parede, imagem de garota
a incerteza – mesmo assim – de que dia é hoje
Comentários
Vejo e leio a paisagem, o movimento do dia, o coração batendo no fundo do peito do vivente criado pelo maestro Antonio Angelo. Tudo existe por seu labor e por sua carpintaria. O cenário ganha vida e toma, enfim, a nossa imaginação.
O poeta extrai a turbulência emocional engendrada nas entranhas da urbis dolorosa