certamente para seu querido irmão Theo:
“o Mediterrâneo tem uma cor igual à das cavalas,
ou seja, mutante; nunca se sabe se é verde ou violeta,
nunca se sabe se é azul…”
estava salpicado por nuvens de um azul ainda mais profundo
que o azul fundamental de um cobalto intenso,
e por outras de um azul mais claro,
como a alvura azulada de vias lácteas.
No fundo azul as estrelas cintilavam claras,
esverdeadas, amarelas, brancas, rosas, mais claras,
adiamantadas mais como pedras preciosas,
que para nós – mesmo em Paris –
seria o caso de dizer: opalas, esmeraldas,
lápis-lazúli, rubis, safiras.”
que em sua generosa transcendência
mais preferia se ferir que aos outros maltratar,
que pela prima amada foi capaz de colocar a mão
na chama acesa de uma vela,
que sorte a nossa de o termos tido
exilado nas cidades, perdido nos campos
– ainda que às custas de sofrimento inaudito -,
com sua sensibilidade atento ao mundo,
amando atabalhoadamente suas mulheres,
elas também pouco bafejadas pela sorte,
sofridas, perdidas, prostituídas!
vemos que também nos escritos transparecia a consciência
do mundo entre sombras e cores que o cercava:
cheio de atrativos, beleza, mistérios e melancolia,
que de uma forma inigualável transformou em quadros
a nos emocionar e a revelar que sua loucura
era em verdade um caleidoscópio através do qual
nos permitiria – a nós pobres reféns da obviedade -,
ver alem do que nos dita a incompletude do mundo real.
sobre o qual corvos esvoaçam
decidiu partir para o recurso definitivo
a libertá-lo das correntes da loucura,
por que sua mão não susteve um raio de lucidez
do quanto você era importante enquanto estava a criar
e a deixar para a posteridade uma herança
carregada da mais humana e tocante beleza?
Comentários
Que beleza! O poeta das palavras que caminha junto às maravilhas do poeta das cores, que eu amo! Me encantou! Grande abraço.
Digo-lhe, caro poeta, que em Van Gogh há um pouco de nós, diluídos em sua paleta, como há também em sua poesia um sopro de lucidez que nos arrebata para a compreensão do enigma que só se decifra na arte ou no amor, na extrema-unção ou na loucura, no mais tranquilo céu ou no frenesi infernal dos dias que nos habitam. Para o bem ou para o mal. Para ser ou para não ser.
Que magnífico mergulho no fino fio de navalha entre a arte e a loucura. A lucidez desfaz sonhos apartados. Dul merece esta obra prima.