Desistências

Publicado por Antonio Ângelo 3 de abril de 2018

Desistências

eu e minha mãe fomos ao campo
onde fica a lápide sob a qual repousam
meus pai e irmão

tempo nublado
frio
ela em roupas escuras
luto que nunca termina

na face envelhecida
marcas de sofrimentos
vida desabitada de sonhos

observo-a
desconfio de seu desejo
de enfim desfazer-se
de uma fadiga insolúvel

precipitado afirmar
no entanto
ou supor ser ela a primeira
a ir ao encontro
dos que ali jazem

talvez eu
me mate
talvez salte –
pulo olímpico
do último andar
deste prédio

por absoluto
tédio

na janela
minha mãe
tem a face
marcada
melancolia

não desconfia
que talvez o filho
mais saiba da tristeza
que ela
em nonagenária existência

nota mínima
no canto do jornal:
ao final da tarde
mais uma vítima do acaso
morre atingida
por bala perdida

mais seja a bala
perdida
mais se perdeu
a vida que se esvaiu
por ser vida não vivida

cônscio de minhas derrotas
olho pela janela
o anúncio fluorescente
contra o negrume do céu

sem ilusões
um travo amargo na boca
não há como discordar:
a vida é isso aí

a vida
o que é a vida?

no way
sem sentido
tanto display

a vida
vê se entende
não é uma free way
melhor conformar-se
there is no way

Comentários
  • wesley 2421 dias atrás

    Viva, Antonio Angelo, maestro com as palavras! Pelos vidros da sua janela e dos meus óculos, divisamos o inverno que chega, com seus rigores, você com sua mãe, eu com meu pai, ambos com nossas desistências, até a próxima mas não definitiva encruzilhada.

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