Diante da forte crise internacional que ameaçava a sobrevivência do planeta Terra, o Papa Eleutério III compareceu à ONU em missão de paz.
Subindo à tribuna, o Pontífice correu um longo e demorado olhar sobre a assembleia reunida. Ali se reuniam estadistas do Ocidente, os xeques do mundo árabe, investidores dos grandes fundos de investimentos e, naturalmente, os lobbies dos fabricantes de armas.
– Meus irmãos – começou o Papa -, a paz esteja convosco!
Um murmúrio correu pelos presentes, um sussurro indefinido que não podia ser traduzido como aprovação ou inquietação.
– Estou aqui – prosseguiu Eleutério – para recordar a todas as nações as lições do Mestre Jesus. Foi ele quem disse: “Amai-vos uns aos outros!”
– Ele disse “armai-vos”? – perguntou ao vizinho o representante da Honeywell Machines, principal fornecedor de mísseis para os EUA.
– Não! Ele disse “amai-vos!” – sussurrou o outro.
– Deus nos livre disso! – insistiu o cara da Honeywell. Se as pessoas se amarem, quem vai querer comprar as nossas armas?! Nós precisamos é de mais conflitos…
Mas o Papa ia adiante:
– Jesus é o príncipe da Paz! Ele veio anunciar uma era de fraternidade, lobos e cordeiros irmanados, sem pranto nem dor…
– Epa! – exclamou o diretor geral da Belartis, o maior grupo farmacêutico da Europa. Se não houver mais dor no mundo, quem iria comprar os nossos analgésicos? Logo agora que acabamos de lançar um novo opioide, após seis anos de pesquisas?
– Pois é – confirmou seu secretário adjunto. Sem dor, nosso negócio vai à falência.
Lá do alto da tribuna, o Pontífice não ouvia esses comentários e, envolvido por uma aura de serenidade, ele prosseguia:
– Não podemos deixar no esquecimento as lições eternas de Jesus de Nazaré. Quando via a multidão faminta ao seu redor, ele multiplicava e compartilhava o pão.
Um gordo banqueiro começou a rir, sacudindo a pança. E comentou:
– Vejam só que besteira! Não existe almoço grátis! – e enxugava a calva com um lenço branco, bordado a ouro.
Mesmo semeando no asfalto, Eleutério III não interrompia sua exortação:
– Somos todos irmãos. Não podemos acumular riqueza enquanto alguém passa necessidade ao nosso lado, sem terra, sem casa e sem pão. Lembrem-se das palavras de Cristo: “Não vivais preocupados, dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir?’ Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está no céus sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã..”
Foi demais. Começaram a ensaiar algumas vaias que foram crescendo e logo dominaram todo o anfiteatro.
– Que absurdo! – comentou o primeiro ministro britânico. Que Reino é esse? Qual o seu território? Onde ele está situado?
Por acaso, o ministro era o principal acionista da corporação British United Insurances. E disse, rangendo os dentes:
– Se ninguém mais viver preocupado, quem irá comprar uma apólice de seguros? Seria um desastre! Nós precisamos é de medo, insegurança, ameaça constante. Só assim nosso negócio crescerá sempre mais!
Eleutério III ainda tentou ir adiante:
– Meus irmãos…
Mas uma vaia colossal trovejou pela assembleia das Nações Unidas… Naturalmente, unidas na ambição e na gula, na acumulação e na rapina, unidas na desgraça e na morte.
E o Papa, humildemente, desceu os degraus e desapareceu…