Sobre a nudez humana

Publicado por Antonio Carlos Santini 11 de janeiro de 2018

sobre a nudez humana
Há muitas espécies de nudez. Todas elas, bem humanas. A nudez do recém-nascido na hora do parto. A nudez do paciente na mesa de cirurgia. A nudez da vedete na capa da revista. A nudez “inocente” dos indígenas. A nudez congelada do cadáver no necrotério. A nudez apocalíptica dos 111 presidiários mortos, estendidos no pátio do Carandiru…

Natural, nós reagimos diferentemente em todos estes casos. A nudez infantil do bebê desperta risos de alegria, ainda que ele nasça chorando e, de modo tão precoce, absolutamente nu, para que ninguém se iluda a respeito do profundo desamparo de nossa condição.

A nudez do paciente no bloco cirúrgico revela seu grau de abandono nas mãos dos profissionais da saúde, já que os imprevistos da existência o conduziram a essa indesejável situação de fragilidade e dependência. Fragilidade que se mostra em grau extremo na célebre foto da menina vietnamita que corre pela estrada, atingida pela bomba de napalm lançada pelos norte-americanos… É uma nudez que faz chorar.

A nudez de Marilyn Monroe impressa em policromia denuncia um sistema onde tudo se transforma em mercadoria, inclusive o corpo das pessoas. É nudez pornográfica que desperta os mais vis apetites, as paixões inconfessáveis.

A nudez dos atletas no Circo Máximo ou nos ginásios de Esparta glorifica a superação dos limites que a física nos impõe, na busca de ser mais alto, mais forte, mais veloz – no lema olímpico: altius, fortius, citius. É a nudez de nossos ídolos, provisoriamente mascarados de semideuses, até que o Mal de Parkinson abale os músculos do campeão mundial de boxe…

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A nudez cadavérica recorda – agora em definitivo – nossa extrema pobreza, que nos impede de levar deste mundo a mínima parte de nossos bens acumulados. Depois de sepultados, os defuntos ainda correm o risco de perder até mesmo as obturações douradas…

Curiosamente, Jesus Cristo levou tão a sério a sua encarnação, e sua kênosis ou despojamento da divindade, que vamos encontrá-lo nu na gruta de Belém, como todo recém-nascido, ainda que os ícones da Natividade o mostrem bem enroladinho em faixas, com aquele arzinho inocente de pequena múmia, pronto a morrer por nossa salvação.

Nos ícones do Batismo de Cristo, ei-lo novamente nu nas águas do Jordão, quando sua esplêndida nudez, reverberando o ouro da luz divina, acentua sua solidariedade total com nossa humanidade, ao se misturar com a fila dos pecadores que acorriam ao batismo de João.

Enfim, na cruz do Calvário, Jesus reaparece nu, sem aqueles panos com que a piedade popular o reveste nos nossos crucifixos. É bom lembrar que seu manto púrpura havia sido rasgado em quatro partes e sua túnica fora sorteada entre os soldados. Descido da cruz para o sepulcro da rocha, o Filho do Homem continua em sua santa nudez. Ao ressuscitar, deixando na pedra o casulo de bandagens, mirra e aloés, o Senhor já não precisará de roupagens humanas, pois a glória onipotente o reveste para a eternidade.

Lições a guardar? Muitas, creio… Por exemplo, a futilidade da moda, da preocupação com o vestir já denunciada por Jesus no Sermão da Montanha. Ou a santidade do corpo humano depois que o próprio Deus se vestiu com ele. Ou a insanidade de investir pesadamente no físico (alimentação, vacinas, remédios, banhos de sol, vitaminas, academias, estética e cosmética…) enquanto o espírito (o único que perdura além da morte) é deixado em segundo plano ou totalmente esquecido.

Sim, a nudez é a marca do humano. Assim nascemos e morremos. Somos pobres, somos frágeis. Enfeites e máscaras não alteram nossa condição. Se, porém, a graça de Deus revestir nossa alma, algo de eterno será semeado em nós. E assim, vestidos com o nimbo luminoso do amor divino, teremos a veste branca para o banquete definitivo…

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