XLIV – Na energia da Copa

Publicado por Bill Braga 7 de novembro de 2017
na energia da copa

na energia da copa

Saí daquela internação e estava novamente sem rumo. Resolvi bater de frente com tudo aquilo que me oprimia, não iria tomar os remédios! Estava cansado daquela castração química e resolvi viver na minha plenitude, sem amarras, e enfrentar as consequências. Enfrentei muita resistência da minha família, mas segui em frente. Eram os idos de 2014, ano de Copa do Mundo, e uma energia especial circulava sobre o Brasil. Durante esse período eu não sabia bem o que fazer, buscava um apoio espiritual, e não me deixavam tomar ayahuasca, então resolvi tentar viver a vida numa boa, sem tentar segurar as rédeas e me soltando no fluxo do rio da vida.

É interessante que quando não estou medicado dificilmente tendo a ficar depressivo, a tendência é que eu me anime, me torne mais místico e as sincronicidades aconteçam com maior frequência, e com isso me aproximo de pessoas libertas do sistema massificante e robotizante. Nessa época, da Copa do Mundo, onde BH era uma das principais sedes, comecei a vagar nas ruas da Savassi, e da Praça 7, e me aproximei dos artesãos, dos hippies. Conheci um colombiano, Melchior, que me disse que ia me ensinar a fazer artesanato para me libertar do sistema. Ele era um cara muito bacana, dormia na Praça da Liberdade, e todo dia eu descia cedo, ia encontrar com ele e passávamos o dia juntos, ele tentando me ensinar, eu tentando ajudar ele a vender seus artesanatos. Me encantava a possibilidade de aprender a ser um hippie, e acabei conhecendo vários que circulavam por ali. Todo mundo estava interessado nos jogos da copa do mundo, enquanto eu queria era circular entre os hippies, aprender e tomar uns vinhos com eles. De vez em quando fumávamos um “baseado” também.

Em casa ninguém entendia o que eu fazia na rua o dia inteiro, voltando tarde só para dormir. Mas parecia que eles estavam respeitando meu momento. Como já lhes disse minha memória não está muito boa, e começo a confundir o que aconteceu e quando. Mas lembro que nessa época me sentia extremamente conectado e fiz algumas coisas consideradas estranhas pelas pessoas comuns.

Lembro, por exemplo, de um dia quando tinha recebido um acerto do meu último emprego. Saí pela rua, queria me libertar do sistema sujo. Não queria aquele dinheiro, para mim o dinheiro era o símbolo da exploração. Na minha cabeça eu tinha que fazer algo rebelde, para poder colher frutos dessa atitude mais na frente. Meio que na linha que se colhe o que se planta. Assim o auge da minha rebeldia foi queimar algumas notas de dinheiro, e o restante eu simplesmente joguei no lixo na rua, para que alguém que precisasse achasse e utilizasse aquele dinheiro. Libertar do dinheiro era me libertar do sistema, era rebelar-me daquela dominação capitalista.

Outro fato interessante se ligou a uma experiência sexual. Certa noite me bateu uma vontade louca de sair de casa, e desci andando pela minha rua. Em minha cabeça várias referências passavam, e veio a ideia de que eu era um Messias, um escolhido, como um Harry Potter, e que minha missão era libertar as almas presas no sistema. Fui andando e desenhando o símbolo do Santo Daime, a cruz de dois braços, nos prédios por onde passasse, como se assim abrisse aqueles locais à espiritualidade. Fui andando a pé da minha casa até a Savassi, libertando todos aqueles seres, cumprindo minha missão. Quando cheguei lá lembrei de Daniela, e que ela disse que iria realizar todos os meus sonhos. Lembrei de Jesus Cristo, um cara que circulava entre prostitutas e ladrões, pregando sua mensagem, e me dirigi a uma casa de “strip tease” na região.

Eu tinha uma grana na minha conta, sabe-se lá de onde saiu, mas entrei e fiquei lá observado todo o movimento e libertando aquelas pessoas. Acontece que elas já eram libertas, para mim. Então chegou uma morena linda, conversou comigo, eu compartilhei com ela minha fantasia, ela entrou no jogo da minha loucura. Lembrei da Dani e senti que era hora de realizar uma fantasia antiga de transar com duas mulheres. Falei com ela, ela chamou uma amiga, conversamos, combinamos um preço e saímos rumo a um motel.

Foi uma experiência única, uma transa pra lá de especial. Sentia a Dani ali comigo, e o orgasmo foi profundo, uma comunhão mística com o Universo. Acontece que depois do sexo elas foram embora e, quando fui pagar, meus cartões não passavam mais. A grana tinha acabado, e eu fiquei ali um tempo sem saber o que fazer. Sem opções, liguei para minha mãe e depois de muito ouvir ela aceitou que um taxi fosse buscar o dinheiro com ela e me levasse para casa. Foi dureza ter que encarar ela, e eu não me preocupei muito em explicar as coisas, apenas agradeci e segui meu rumo.

Mas voltemos à Copa do Mundo. Sentia uma energia especial no ar, aquela convergência do mundo para BH, e sentia que havia algo especial rolando. Eu, como profeta da Nova Era tinha um papel especial a desempenhar naquele momento. Vagava sem rumos pela cidade buscando algo que fizesse sentido e desse um rumo à minha caminhada. Conheci um hippie na Praça 7, o Diego, e também colei nele para aprender aquele modus vivendi. Mas acontece que nada daquilo trazia realmente o sentido que eu buscava. E por mais que uma provável vitória do Brasil representasse uma vitória para mim, como se o mundo conspirasse a meu favor, nada era suficiente. Acabou que a derrota estrondosa por 7 a 1 na final para a Alemanha significou para mim também a derrota dos meus sonhos, como se o mundo ainda não estivesse pronto para a verdade que eu vim revelar.

Se eu conseguia ficar sem os remédios, e isso era uma vitória, nenhuma das experiências que tinha traziam a satisfação dos meus desejos. Era como se não soubesse ainda qual a direção que devia tomar, e navegasse como um barco sem rumo nos meandros do rio da vida. Sem objetivos, sem amores, sem amigos, tudo parecia extremamente sem sentido. Até que no fim daquele ano recebi a proposta de voltar a trabalhar na livraria onde havia trabalhado, aonde tinha deixado amigos. Aceitei, e pensei que poderia ser um novo começo.

Todavia aconteceu algo que não estava no script, em dezembro daquele ano minha avó faleceu. Eu não estava pronto para isso e nem sabia como reagir. Toda aquela loucura de velório, enterro tudo aquilo era novo para mim. Pensava que estava sofrendo menos que deveria, mas como Osho disse, a morte não seria o ápice da vida, então temos que celebrar. Acontece que no meio do velório, no meio da madrugada um sentimento pesado me atravessou e chorei copiosamente ao lado do corpo de minha querida avó. Ali naquele momento, algo se transformou. De repente tudo se conectou novamente, minhas sinapses aceleraram e tudo passou a ter um sentido que antes era oculto. Era como se estivesse novamente sob o efeito da ayahuasca, sem precisar tomar o chá.

Em meio a tudo que acontecia, pouca importância deram ao meu comportamento. Passou o velório, a cremação, e eu continuei ligadão. No dia seguinte fui trabalhar, mas meus colegas percebendo que eu estava diferente falaram para eu ir embora. Sentei na Praça da Savassi e fumei um cigarro. Era véspera de natal e havia uma mulher e um Papai Noel com um carrinho ali do lado. Ele conversou comigo, conversou com ela. Ela não falava português, então traduzi. Assim conheci a Holly, uma americana muito bacana. Demos uma volta com o Papai Noel e continuamos conversando. Rolava uma sintonia diferente entre nós, ela uma mochileira, e eu ávido por me conectar com alguém. Encontramos com uns hippies, conversamos com eles e eu dei um colar de pedra para ela de presente. Seguimos o rumo e tomamos um açaí. Depois fomos para a Praça da Liberdade e ela estava lotada, cheia de pessoas interessantes. Parece que havia chegado o momento da redenção. Livre e solto, eu aproveitava aquela companhia e imaginava que rumos tomaríamos.

Comentários
  • Bill Braga 2555 dias atrás

    Querido Antonio fico lisonjeado com teu comentario. Meu objetivo sempre foi me desnudar sem mascaras nem medo de julgamentos. Compartilhar as experiencias de quem foi considerado louco num mundo desajustado. Gratidao e um abraco

  • Antonio Ângelo 2555 dias atrás

    Este depoimento – corajoso – me toca pela autenticidade e honestidade em se expor sem máscaras.
    Um bom texto para o descortino do que – à maneira de Dostoievsky – sem meias palavras se passa nos subterrâneos da alma.
    Sem pretensões de se maquiar ou negar o que quer que seja.

  • Larissa Melo 2565 dias atrás

    Bill, suas idéias e visões me parecem embasadas em uma lógica compreensível, no entanto me parece que você se recusa a virar adulto ao manter sua dependência financeira de sua mãe. Como é que um cara que quer levar duas garotas ao motel rasga todo o dinheiro que tem? Não é vergonhoso você precisar de sua mamãe para te resgatar do motel sem grana para pagar a conta?

    • Bill Braga 2565 dias atrás

      Oi Larissa,
      Nao tem nada vergonhoso pois este julgamento que você emite está dentro de uma logica que naquele momento não correspondia a minha logica. Toda a moral e a logica dos ditos sãos são diferentes daquela de alguem que entra numa crise psicotica. Não acho q esse tipo de julgamento ajudaria a uma pessoa que estivesse passando pela situação que eu passei. Tudo que escrevo aqui tento retratar de modo mais proximo possivel o que eu pensava na epoca. Nao sei se é certo ou errado, maduro ou imaturo, responsavel ou irresponsavel. Nao cabe a mim, nem a ninguem esse julgamento. Agradeço por ler os relatos e pelo seu comentario

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