Pensia que ela uma balata na minha atlás!

Publicado por Saulo Soares 14 de junho de 2017
pensia que ela uma balata

pensia que ela uma balata

Nhinhinha. Personagem infantil, irresistível, santa e “milagreira” de Guimarães Rosa, no conto “A menina de lá”, de Pequenas Estórias. Claro, se de Guimarães, a linguagem parecerá um idioma desconhecido que, num beijo de “linguística”, apropria-se de nossas palavras, inventando desinventando, mas que, estranhamente… entendemos.

Para ela era “tudo nascendo!”. As palavras não eram contaminadas com o sentido que as damos. Eram colhidas no parto de si mesmas. Assim Nhinhinha dizia “estrelas de pia-pia”, ou “jabuticaba de vem-me-ver”; ou ainda “o passarinho desapareceu de cantar” e “tou fazendo saudade”, e tudo faz um espantoso sentido e nos deixa uma sensação de que, como diria nossa querida Nhinhinha: “tatu não vê a lua”.

Isso me fez lembrar das crianças da minha família. Acho que foi Tio Zizo, fazendo cócegas nas costas de uma delas que, desavisada, agachada, perdida em pensamentos, provavelmente acompanhando e dando sentido com os dedinhos ao caminhar de uma joaninha, tomou um susto e logo depois… aliviada, suspirou rosianamente, dizendo: “Pensia que ela uma balata na minha atlás!”

Ou quando perguntei a Jéssica o que havia estudado naquele dia e ela, orgulhosa do seu feito, respondeu: “Estudei merenda!”. Dela, ainda lembro, quando cantava para a pequena dormir, uma canção natalina que dizia: “E os pobrezinhos, vestindo couro, vieram só ver-Te, ver-Te sorrir…” Ela, que aparentemente dormia, “acordou” sobressaltada: “Sorvete, pai, sorvete?!” E o “só ver-Te”, virou “sorvete”. E até hoje imagino os pastores levando sorvete para o menino Jesus… “Aqui está, Senhor, de chocolate. Gostas?”

Ainda sobre sorvete: acho que foi Ana Luisa que, ao ver seu irmão recusar um gelado por conta do sabor dizendo, com careta, seu “Detesto!”, prontamente se apresentou num quase bíblico “Eis-me aqui!”, afirmando: “Mamãe, eu quero detesto!”.

Pois bem. Crescemos e perdemos a habilidade de enxergar joaninhas. Sim, elas se tornam invisíveis aos adultos. E com elas tantas outras coisas…

Nhinhinha, por sua vez, segue a sina dos “santos literários”: morre “de” últimos parágrafos. Mas, que aqui ninguém nos ouça: somente no conto ela falece… Como uma lagartinha que rompe o casulo das sílabas, das páginas, alça seu voo. E, se você, paciente leitor, sentir, porventura sentir “cosquinhas” nas costas, antes mesmo de pensar que seja uma “balata na sua atlás”, vire-se rapidamente: pode ser a sapeca Nhinhinha disfarçada de… “borboLETRA”.

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