Numa fazenda próxima de Poços de Caldas havia um vaqueiro conhecido por Sansão, sujeito muito forte e bom de serviço. Adorava lidar com os “animar” e era por eles retribuido, as vacas com o leitinho fresco pra fazer requeijão cremoso, as porcas com suas ninhadas generosas, as galinhas não ficavam para trás, enchendo os ninhos com ovos graúdos. Sansão trabalhava a semana inteira e quando chegava o sábado deixava tudo ajeitado e como bom filho de Deus se dava o direito de ir pra “rua”.
O patrão, que não queria perdê-lo por nada, dizia que ninguém é de ferro e que ninguém é perfeito além de Deus no Céu, aqui na Terra só Jesus Cristo, e todos viram no que tinha dado. Sansão era trabalhador, correto e cumpridor de suas obrigações, gostava de sua lida.
O prazer de Sansão era ir pra cidade tomar umas, outras e mais algumas no mesmo velho buteco da periferia. Ele pegava uma xêpa no caminhão do vizinho. Sansão não ia na boléia, mesmo que o chofer estivesse sozinho querendo prosear. Ele ia na carroceria em pé, segurava no Santantônio, cabelo ao vento, abria a camisa e desafiava o vento fresco que lambia-lhe a cara e varria seu peito musculoso.
Na cidade apeava no bar, já tinha seu canto reservado, sua mesa era instalada com cadeira única pelo solícito butequeiro. Ali iniciava a rotina que já era conhecida dos mesmos figurantes.
Por conta do cliente recém chegado a música da máquina jorrava apaixonada, melancólica no conteúdo, mas alegre no ritmo … Boate Azul … Fio de Cabelo … Telefone Mudo … iam se sucedendo e a caninha cristalina era sorvida em goles ardentes e prazerosos. Muitos se levantavam e dançavam com seus copos e garrafas. Quando suas preferidas já tinham rolado, nosso personagem se erguia, incorporava a força que segundo a Bíblia lhe era provida pelo Espírito Santo, e buscava ocupar o espaço inteiro. Como havia outros que já estavam nas alturas e que não gostavam de “baixar o rabo” a confusão começava. Sansão apanhava muito, pois eram todos contra ele, mas batia muito mais que apanhava, as testemunhas garantiam. O bar também sofria, copos, garrafas, cadeiras, mesas, vitrine, balcão, até a máquina de música já tinha sofrido as consequências, mas nenhum prejuízo que o respeitável patrão de Sansão não honrasse integralmente e, melhor, sempre à vista!
A guarnição da rádio-patrulha já ficava empenhada esperando a chamada do dono do bar, já sabiam o “script” de cor. Levavam Sansão pra Delegacia davam-lhe umas cacetadas para enquadrá-lo, o jogavam numa pequena cela de cimento liso, fechavam a grade e lhe atiravam alguns baldes de água fria para curar a ressaca.
No domingo ele acordava melhor, por ausência de queixa ou de vítimas era liberado, tomava um café no primeiro buteco e, já são, esperava aparecer uma xêpa de volta pra casa.
Eis que um dia chegou um delegado novo na cidade, disseram que estudou sociologia e psicologia. No sábado quando Sansão chegou ele estava na Delegacia e interveio na rotina dos PMs com o “cliente”. Perguntou:
– Onde é que vocês tomam banho?
– Ali atrás tem um chuveiro que nós usamos.
– Tem água quente? Perguntou o delegado.
– Tem!
– Vocês vão arranjar uma toalha limpa, sabonete e levem ele lá.
Os policiais cumpriram a ordem.
Depois do banho, o delegado orientou:
– Arranjem uma cela com catre, colchão, lençol, cobertor e travesseiro pra ele.
Ordens são para serem cumpridas em silêncio.
No dia seguinte, o Delegado chegou cedo.
– E aí, ele já acordou?
– Não! Gostou do hotel do senhor, respondeu o prontidão.
O delegado decidiu esperar até ele acordar bem disposto e preparou-lhe a “recepção”. Viu que havia quatro PMs no plantão e chamou todos no pátio. Quando chegou a hora ele ordenou:
– Agora ocês soltem ele e desce o cacete!
Dito e cumprido, os cassetetes batiam nos quatro costados e o preso rodopiava. Cansados de bater, jogaram Sansão na rua.
O delegado esperou a tropa recuperar o fôlego e concluiu:
– Uma coisa é bater em bêbado, outra é bater em homem sóbrio! Podem estar certos que ele não vai voltar.
E não é que o delegado-sociólogo-psicólogo acertou?
Comentários
Parabéns ao Milton pela brilante memória.
Quando o homem está bêbado ele aflora seu sentimento de vítima do mundo, quando ele está sóbrio perde a autopiedade e recupera a autoestima, para mim esta é a lição mostrada.