Está no ar, nas telinhas – e também no papel jornal! – um atropelamento à índole do idioma de Camões, a língua também utilizado por Machado (o prosador) e pelo Cunha (o deputado). Trata-se dos termos “paralímpico” e “Paralimpíada”, adotados de modo cambeta pela maioria dos veículos de comunicação.
Um longo aplauso para o jornal “Folha de São Paulo”, que se recusou a cometer tal desatino. Devidamente ilustrada pelos saberes do Prof. Pasquale Cipro Neto, a “Folha” insistiu em usar as formas corretas para estes neologismos: “Paraolimpíada” e “paraolímpico”.
É que todo idioma tem suas normas, seus vezos, seu modo de ser. Uma rápida visita ao Aurélio – tenho a versão eletrônica no meu notebook! – daria ao pesquisador estas informações sobre o prefixo grego “par(a)”:
par(a)-
[Do gr. pará.] Prefixo.
1.= ‘proximidade’, ‘ao lado de’, ‘ao longo de’; ‘elemento acessório, subsidiário’; ‘funcionamento desordenado ou anormal’; ‘semelhante’; ‘oposição’: paramilitar, paramorfismo; parassimpático, parassimpático; parafrenia, parageusia; paragênese; paradoxo. [É seguido de hífen quando anteposto a palavra iniciada por a ou h: para-apendicite/parapendicite, para-axial/paraxial (em tais casos, apenas o 2.o el. é flexionado na formação do plural); é grafado com r ou s duplicados quando anteposto a palavra iniciada por r ou s: pararreumatismo, parassífilis.]
Quando o prefixo “par(a)” se junta a um radical ou raiz começados por vogal, é o prefixo que pode perder seu último fonema para colar-se ao radical seguinte. No caso, uma “Paraolimpíada” é uma “Olimpíada” paralela – ou, como teimam alguns, uma Olimpíada para “paraplégicos”, o que não corresponde à realidade. Cortar e lançar ao fundo do Rio Estige a vogal “O” do radical de Olimpíada é um erro crasso contra os atletas de Olímpia.
Em outros vocábulos onde ocorre a anteposição do prefixo “par(a) a outros radicais iniciados por vogal, nota-se que foi conservada a vogal inicial da raiz. Alguns exemplos, todos eles no Aurélio: parestatal = par(a)estatal, parencéfalo = par(a)encéfalo, parestesia = par(a)estesia, parodontite = par(a)odontite, paropsia = par(a)opsia.
Confirma o Prof. Pasquale que na junção dos termos, na nossa língua, só poderia ocorrer a supressão da vogal final do primeiro elemento, e não da vogal inicial do segundo elemento – ou seja: “para+olimpíada” faria com que o “a” de “para” fosse suprimido, e não o “o” de “olimpíada”.
Na visão de Pasquale, o caso é semelhante aos de termos como “paramédico, parapsicologia, paranormal”, em que o prefixo grego “para”, que significa “paralelo”, ou “ao lado” é adicionado a outra palavra. Nesse caso, segundo o professor, poderíamos ter “parolimpíada”, mas nunca a forma importada da Europa.
E assim, como de costume, insistimos em macaquear os estrangeiros e reforçar nosso complexo de vira-latas diante dos palpites de fora. Mesmo ao preço de nossa identidade nacional…